terça-feira, 29 de abril de 2014

Alcunhas Alentejanas (II)

“Chico Borreguinho”
Sr. Francisco Martins (Foto: Marco Valente)

Alcunha que vem do tempo da sua avó do lado materno: “Mariana das Ovelhas”.
Sua mãe, Dona Maria do Carmo Caeiro ficou “Maria Borreguinha” e a partir daí a descendência ficou com a dita alcunha de “Borreguinho”.
Testemunho do Sr. Francisco do Carmo Martins, 83 anos, nascido e criado em Pias (Serpa).
Recolha efectuada a 29/04/2014

sábado, 26 de abril de 2014

As “Santas” de Pias

Relatamos em seguida, com base em informações prestadas pelo Sr. Romão Mariano e sua esposa, a Dona Luzia, um episódio insólito, ocorrido em Pias e sobre o qual julgamos valer a pena efectuar reflexão – não querendo influenciar ninguém, nem efectuar quaisquer tipo de juízos de valor, quer sobre pessoas, como sobre eventos ocorridos.
Sr. Romão Mariano e Dona Luzia (foto: Maria João Marques)

Um sujeito (Adriano Augusto Santos) veio de Trancoso e foi para Lisboa aprender a arte de farmacêutico. Juntou uns dinheiros e casou-se com uma senhora do Montijo.
Tiveram duas filhas que chegando à idade da adolescência quiseram recolher-se e não conviver com outras raparigas da idade delas – ou qualquer outra pessoa, salvo raras excepções[1].
Todos os dias recebiam jornais que compravam, mas não saiam de casa. Nunca quiseram luz eléctrica.
Salvo erro em 1950 (ano santo mariano) a imagem de Fátima passou por Pias e elas assomaram-se à varanda (mas recolhidas) para a ver. Uma das raras ocasiões em que as “Santas”, como ficariam conhecidas na localidade, se deixaram tenuemente vislumbrar.
Os moços mais novos por vezes, devido à curiosidade que tal episódio neles suscitava (como à restante população da localidade em geral), por vezes assomavam-se a este ou aquele muro para ver se avistavam alguma das “Santinhas” no quintal.
A mãe delas tinha problemas de coluna (esteve cerca de sete anos deitada, acamada) e o Dr. Abílio, médico, é que lhe prestava assistência em termos de cuidados de saúde. Tentou arranjar casamento entre a filha mais nova, a Maria de Lurdes Santos e este, ao que a filha lhe teria respondido: “A mãe gosta tanto dele, case-se você com ele!”.
O seu esposo já tinha falecido, ela tinha receio de falecer, pois visto que a irmã mais velha (Leonídia Santos) já indiciava que estaria a perder a razão, não ficaria assim ninguém para tomar conta da irmã mais nova. Esta irmã mais velha acabaria eventualmente por falecer após os pais de ambas, vítima de cancro e sem nunca querer receber tratamento.
Um senhor, Manuel Málhinho é que tratava das coisas delas, após o falecimento de seus pais. Ia às compras, tratava de todo o género de negócios (tudo papéis passados por debaixo da porta do quintal).
Já por último, Maria de Lurdes Santos, a remanescente das duas “Santinhas” ou “Santas de Pias” acabaria por ser levada contra a sua vontade para um Lar, uma vez que vivia também sem o mínimo de condições de higiene. Só a título de exemplo, espalhavam ambas jornais pelo chão da casa, onde tinham galinhas e outros animais à solta. Quando o chão se encontrasse demasiadamente sujo jogavam os jornais fora, substituindo-os por outros em camadas espalhadas pelo chão.

O que é que nos define enquanto seres humanos?
O que é que faz de nós Humanistas ou não?
Onde começa e acaba a responsabilidade social de cada um de nós?

Nunca me esqueço de umas palavras escutadas há algum tempo atrás e na altura atribuídas a Mahatma Ghandi (se bem que as palavras proferidas valham por si mesmas e não tão somente por  quem as proferiu), fazendo assim também nós, o nosso “mea culpa”:
“É muito fácil emocionarmo-nos por crianças com fome em África ou por uma tragédia qualquer ocorrida na Índia mas, a maior parte das vezes não prestamos atenção ao nosso vizinho que passa fome ou ao mendigo face a quem viramos o rosto quando por ele passamos.”
Por isso, ousamos dizer: “Caridadezinha jamais, Fraternidade sempre.”


[1] Daqui nasceram uma série de rumores e estórias, motivados pelo insólito da situação. Desde o pai que as teria feito reclusas na sua própria casa, por exemplo.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Mestre Romão Moita Mariano (Poeta e Ferreiro de Pias – Serpa)


Foto: Maria João Marques

“Habituei-me a olhar para aquele homem, invariavelmente de fato de macaco, com outros olhos. Não conseguia ver nele apenas o artífice que trabalhava naquela oficina. Pareceu-me adivinhar que por detrás daquele sorriso matreiro se escondia uma constante procura da métrica certa, da palavra exacta… ao mesmo tempo que as peças saíam, perfeitas, das suas habilidosas mãos.”
António Cordeiro (Actor)

Conhecemos Mestre Romão Moita Mariano ontem e penas temos de não o ter conhecido há muito mais tempo. Privamos consigo, escutando seus poemas, estórias de outros tempos, relatos e experiências vividos, por alguém que nos enleia facilmente na ternura do seu olhar.
Palavras escutadas ditas por uma alma genuinamente simples e imensamente rica.
Ao escutá-lo, vemos passar pelos nossos olhos pessoas, gestos, crenças, alma.
Verdadeiramente representa o que (para nós) é ser Alentejano.
Transcrevemos de seguida um poema intitulado: Alentejo povo meu, para que também aqui, honra seja feita aquele que tais versos proferiu.
 Marco Valente

Alentejo Povo Meu

Alentejo, povo triste
que canta p’ra disfarçar
a mágoa que nele existe!
Canta, quando se embriaga,
E só pára de cantar,
Um dia, quando se apaga.

Alentejo, povo agreste
na epiderme curtida,
na roupa com que se veste!
Povo de fé e de esperança,
de fé com que é feita a vida,
de esperança que nunca alcança.

Alentejo, povo meu,
povo inculto, povo rude,
sem ser cristão nem ateu!
Povo escravo do que come,
e se há alguém com saúde,
é sempre quem passou fome.

Alentejo, povo ordeiro,
povo de brandos costumes,
tolerante, hospitaleiro.
Que parte o pão aos bocados,
para calar os queixumes
e a fome aos desgraçados.

Alentejo, a tua herança
são punhados de cantigas,
que eu canto desde criança.
Quem as escreveu e compôs?...
Foram muitas gerações
de poetas como nós.

[1990]

In, MARIANO, Romão Moita [2002]: A malhar em ferro quente, Arruda Editora, Arruda dos Vinhos, p. 27

terça-feira, 22 de abril de 2014

Alcunhas Alentejanas (I)

A partir desta data irei efectuar posts relativos a uma temática que sempre me interessou, desde que consultei pela primeira vez o “Tratado das Alcunhas Alentejanas” de Francisco Martins Ramos e Carlos Alberto da Silva. Devido aos trabalhos que tenho executado de Norte a Sul do País fui efectuando algumas recolhas relativas a esta temática em apreço.
Seguidamente e futuramente irei apresentar os resultados destas recolhas, pretendendo contribuir assim também para o estudo deste aspecto do nosso Património Imaterial comum.

“António Carloto” ou “Filho do Carloto”
Alcunha que vem do tempo do seu avô, que tinha sido criado por uma tia que se chamava Carlota. Quando a Carlota ia às compras levava o seu avô (António Rita Pós-de-Mina) debaixo do braço e as pessoas diziam: “Olha, lá vai a Carlota com o Carlotinho!” e assim ficou Carloto.
Testemunho do Sr. António Aires Pós-de-Mina, 49 anos, morador em Pias (Serpa).[1]
Recolha efectuada a 22/04/2014


[1] Por respeito à vontade do informante, não incluí foto do dito no presente post.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Contos de moiros e moiras (I)

Um pouco por todo o País escutam-se aqui e além estórias de mouros e moiras que encantados ficaram por estas paragens. Contos de tesouros ou peçonha, de recompensas que aguardam felizardos ou má fortuna que guia o destino dos mais incautos.
Colegas muitos há que foram coligindo compêndios vários acerca de tal temática no decorrer dos séculos. Recolhendo testemunhos orais contemporâneos[1] deste e daquele recanto buscamos também contribuir para uma visão mais abrangente acerca deste “outro” ao qual tanto nos liga.
Descortinando imagens efabulatórias procuramos assim vislumbrar em que lugares do País se podem encontrar mais auríferas recompensas ou mais baús plenos de pestilentas pragas. Onde é que o mouro/moura é bom ou o mau da fita? Que género de tesouros são os mais representados, prata e ouro ou prodígios da técnica? Uma miríade de questões que se vão colocando desde há tempos imemoriais, desde que a lenda é dita à luz das fogueiras, desde que o conto é contado, desde que o Mito nada mais é porventura do que humanizada figura.
E, vislumbrando-nos reflectidos no espelho veríamos assim, porventura, a imagem do moiro ou moira que por ora buscávamos, pois não somos (mesmo em termos genéticos), aquele moiro ou moira que se quer ver desencantado e compreendido?

Mas adiante.

O Sr. João Lopes, pessoa dos seus 44 anos, natural e morador na Granja (Mourão), tem para contar uma estória que escutou há 32 anos atrás, quando era adolescente na casa dos seus 12 anos.

Junto ao Lorico, onde havia uma curva, melhor dizendo, um meandro do rio Alcarrache[2], diziam os mais antigos/idosos que existia um tesouro nesse local. Chegavam a ir indivíduos munidos de pás e picaretas escavar em busca desse mítico tesouro, derrubando árvores e tudo o mais no afã de encontrar tal riqueza. Nunca o chegaram a fazer (que se saiba).
Talvez porque não tenham seguido os seguintes lendários preceitos.
                                                (Sr. João Lopes, à direita do observador)


Dizia-se que havia uma serpente encantada, guardiã desse imenso tesouro. Quem o quisesse obter deveria deixar a dita serpente enrolar-se em seu redor, dando três voltas completas à cintura e dar-lhe (a serpente) um beijo no céu da boca. Após tais preceitos deveria ser morta a serpente, por forma a se poder reclamar posse do tesouro.

Dragões, serpentes, sardões são animais reptileanos ligados às figuras das moiras encantadas.
Reminiscências de cultos ofiolátricos de cariz celta ou sacralização cristã de espaços pagãos, ligando assim estas figuras por vezes associadas também a Lucifer, ao mal. Estas são apenas algumas escassas tentativas de explicação para alguns dos casos onde tal possa ser observado.
Vamos dando à navegação estas estórias, para que outros possam também delas extrair e construir conhecimento, em salutar comunhão de esforços. Investigadores, estudantes, leigos e meros curiosos. Porque o conhecimento é direito de todos e não tão somente apanágio e desfile de vaidades de alguns poucos.

Texto e foto: Marco Valente


[1] Uma vez que um conto não é imutável ao longo dos tempos, podendo adquirir/perder: personagens, detalhes, versões múltiplas.
[2] Rio que alguns pescadores actuais julgavam ser um rio mítico, de acordo com os conhecimentos que possuíam.