segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

O explorador do coração de ouro (1º Conto Original) - The Explorer of the Golden Heart (1st Original Tale)


Diário: África revela-se à descoberta. 10 de Dezembro de 1967.
Journal: Africa reveals itself to discovery. December 10, 1967.

O silvo do vapor “N/T Príncipe Perfeito” escuta-se a quilómetros em redor. Está um dia ensolarado deslumbrante. A manhã tinha despertado com uma suave brisa que soprava do Leste, trazendo o canto das gaivotas, embalado pela esperança de um novo amanhecer. Próculo Augusto mira o infinito, abrindo os braços como que tentando envolver o porto da cidade da Beira em caloroso abraço.
Oficialmente, buscava com seu amigo, Diogo Lopes Pacheco, o túmulo da Rainha Fátima Binti Zacarias.
Na realidade ansiava por uma vida nova, um renascer que findasse a sua longa jornada, iniciada duas décadas antes, em terras de Vera Cruz.
A cidade da Beira é então uma pequena metrópole e tudo lhe traz à lembrança rostos e imagens do seu Portugal deixado há anos atrás. Os gestos das pessoas simples cativam-no e por toda a parte os sorrisos (sinceros ou não) rasgam-se de par em par. Gente feliz com tão pouco. Os assimilados moçambicanos aguçam a sua curiosidade durante a sua estadia citadina. Para os trâmites do Estado Novo o assimilado é o moçambicano negro ou mestiço que supera a sua condição de indígena, de “não civilizado”, a realidade é bem diversa, pois o assimilado não abandona completamente as suas práticas e costumes indígenas.
É durante um desses convívios que conhece Helena Melânia, o grande Amor da sua vida. E em que Diogo Lopes Pacheco, seu amigo de longa data, passa a figurar como o pior de seus inimigos, invejoso pelos sorrisos de felicidade dos amantes, sequioso por possuir a bela Helena, ansioso por trair Próculo nos seus intentos.
Depois de alguns meses de preparação a expedição segue caminho para o Norte, para as islamizadas terras de nunu (Senhora) Fátima Zacarias, governante da região Seremaje, habitat de aguerridos Macondes e matriarcais Macuas. A sua jornada leva-os de passagem pela árvore sagrada Muanene Ilapo (Dono da Terra) e a curandeira local ao ver passar tão garbosos cavaleiros, lança o seu repto ao guia de tão vistosa expedição. A sua voz rouca pareceu ganhar nova vida ao pronunciar um nome: “Melânia ? Alguém doce como o mel?” Próculo, ao escutar o nome da sua amada, vira a face pasmada à velha feiticeira questionando: “Que sabes tu de Helena?”, ao que a curandeira afirma com um enigmático sorriso: “O Amor há-de triunfar!”. Sentindo-se bafejado pela Sorte, Próculo prossegue o seu caminho impávido às restantes palavras da anciã, carregando no espírito e na lembrança, a imagem dos olhos amendoados pelos quais se encantara... não vislumbra ao se afastar um estranho esgar na face da curandeira, nem escuta as suas últimas palavras, sussurradas ao sabor do vento Leste: “Depois do Amor triunfar à Terra hás-de tornar... à Terra hás-de tornar...”.

The hiss of the steamer “N / T Príncipe Perfeito” can be heard for miles around. It is a stunning sunny day. The morning had awakened with a gentle breeze that blew from the East, bringing the song of the gulls, lulled by the hope of a new dawn. Próculo Augusto aims at the infinite, opening his arms as if trying to wrap the port of the city of Beira in a warm embrace.
Officially, he was searching with his friend, Diogo Lopes Pacheco, for the tomb of Queen Fátima Binti Zacarias.

In reality, he longed for a new life, a rebirth that would put an end to his long journey, which had began two decades earlier, in the distant lands of Vera Cruz.
The city of Beira is then a small metropolis and everything brings to mind the faces and images of his Portugal left some years ago. The gestures of simple people captivate him and everywhere smiles (sincere or not) revealed themselves from ear to ear. Happy people with so little possessions. Mozambican assimilates pique his curiosity during his city break. For the procedures of the "Estado Novo", the assimilated person is the black or mixed-race Mozambican who overcomes his condition as an indigenous, “non-civilized”, the reality being quite different, since the assimilated person does not completely abandon his indigenous practices and customs.
It is during one of these gatherings that he meets Helena Melânia, the greater Love of his life. And in which Diogo Lopes Pacheco, his longtime friend, comes to figure as the worst of his enemies, envious of the smiles of happiness from the two lovers, desiring to possess the beautiful Helena, eager to betray Próculo in his intentions.
After a few months of preparation, the expedition heads to the North, towards the Islamized lands of Nunu (Lady) Fátima Zacarias, ancient ruler of the Seremaje region, habitat of the hardened Macondes and matriarchs Macuas. Their journey takes them through the sacred tree Muanene Ilapo (Owner of the Earth) and the local female healer, seeing so many striking knights passing by, launches her challenge to the guide of such a showy expedition. Her husky voice seemed to take on a new life when she pronounced a name: “Melânia? Someone as sweet as honey? ”Próculo, upon hearing the name of his beloved one, turns his face in amazement to the old witch questioning:“ What do you know about Helena? ”, To which the healer said with an enigmatic smile: “Love will triumph!”. Feeling favored by Luck, Próculo continues his undaunted path, deaf to the last words of the old woman, carrying in his mind and memory, the image of the almond-shaped eyes with which he was enchanted ... he does not notice a strange frown on the healer's face, nor listen to her last few words, whispered in the breeze of the East wind: "After Love triumphs to the Earth you will return ... to the Earth you will return ...".

Diário: Amor... ou desamor? 31 de Janeiro de 1968.
Diary: Love ... or unloved? January 31, 1968.

No decorrer da viagem, tudo parece novo aos olhos do temperado explorador, África guarda em si os segredos mais profundos da Humanidade. Como todo o bom explorador que se preze, Próculo tudo escrevinha nas páginas do seu Diário de Viagem. Que nas árvores sagradas, as famílias buscam a cura dos seus males, oferecendo parte do pouco que possuem em refeições rituais (quer a deuses vários, como em honra dos seus antepassados), quando a medicina ocidental não lhes trás essa tal cura ou a resposta pronta para as suas maleitas. A mandioca e o milho são as oferendas mais comuns em tais intentos.
A primeira página do diário de Próculo continha um simples poema dedicado ao seu primeiro e único verdadeiro Amor africano, a Helena Melânia, moça de estatura pequena, olhos amendoados negros como as pérolas do Índico e seus múltiplos cambiantes de sorrisos receosos. Corpo doce como o mel, pele macia, firme e ao mesmo tempo frágil. Apaixonada, mas receosa acerca dos verdadeiros intentos daquele mussungo (branco) que viera de tão longe. O dito rezava assim:

Beleza perdida – e encontrada (Quatro Estações)

Eras jovem e bela Primavera
Mil sorrisos nasciam em teu rosto
Flor mais bela que ao mundo a mãe dera
Flor de noiva em grinalda posto

O Verão em teu corpo esbelto
Em mim soltava ondas de paixão
E teus lábios doces – meu prato predilecto
Sol de desejo e sensação
Com o Outono fria não ficaste
Árvore de verde despida
Enrugada mas jamais sem vida
Confirmavas o Amor que germinaste
Ao chegar o fim da caminhada
De andares pelo Céu e pelo Inferno
Em teu sorriso vislumbro minha Amada
A Primavera que virá após o Inverno.



During the trip, everything seems new in the eyes of the seasoned explorer, Africa keeps within itself the deepest secrets of humanity. Like any good self-respecting explorer, Próculo wrote everything on the pages of his Travel Journal. That in the sacred trees, families seek to cure their illnesses, offering part of the little they have in ritual meals (either to various gods, or in honor of their ancestors), when Western medicine does not bring them such a cure or the answer ready for their ailments. Cassava and corn were the most common offerings for such purposes.

The first page of Próculo's Journal contained a simple poem dedicated to his first and only true African Love, Helena Melânia, a girl of small stature, with almond-shaped eyes as black as pearls from the Indian Ocean and her multiple shifts of fearful smiles. With a body sweet as honey, skin soft, firm and at the same time so fragile and tender. Passionate, but afraid about the true intentions of that (White men) mussungo that had come from so far. The saying prayed like this:


Lost and found beauty (Four Seasons)


Young and beautiful spring ages
A thousand smiles were born in your face
Most beautiful flower
than in the world any mother had given
Bridal flower in wreath placed

Summer in your slim body
In me released waves of passion
And your sweet lips - my favorite meal
Sun of desire and sensation
With the autumn cold you didn't stay
Naked green tree
Wrinkled but never lifeless
You confirmed the Love that you germinated
At the end of the walk
Floating through Heaven and Hell
In your smile I see my Beloved One
The spring that will come after the winter.

O longo braço da ditadura. 22 de Fevereiro de 1968
The long arm of the dictatorship. February 22, 1968

Os sonhos podem ser ditosos, mas a realidade fica muito aquém do que é por vezes sonhado. O regime ditatorial tudo e todos busca controlar, quer na Metrópole como nas Colónias, utilizando para tal as garras inquisitoriais dos seus esbirros espalhados pelos quatro cantos do Império. Próculo, inocentemente, em todos os seus actos mostra ser homem de valores, princípios, honra... infelizmente profere palavras e discursos assumidamente de esquerda.
Diogo Lopes Pacheco vê aí a sua oportunidade. Quando por fim chegam a Nampula a fama da expedição já os tinha antecedido e os seus membros mais ilustres são convidados para cear nessa mesma noite na residência do governador local.
Imiscuídos entre os convivas, dois inspectores da PIDE aguardam pelo momento certo pela captura. Próculo em todos os seus actos nada diz que confirme as suas preferências políticas, mas a sentença já estava ditada e lavrada desde há muito. Quando finalmente deixam a recepção, seguindo por um caminho mal alumiado, Diogo desfere um golpe na nuca do amigo e este tomba inerte no chão. Capturado é levado assim para o cárcere.

Dreams can be blissful, but reality falls far short from what is sometimes dreamed of. The dictatorial regime seeks to control everything and everyone, both in the Metropolis as in the Colonies, using the inquisitorial claws of their henchmen spread throughout the four corners of the Empire. Próculo proclaims, innocently... in all his actions, he shows to be a man of values, principles, honor... unfortunately he utters words and speeches admittedly from the left wing.
Diogo Lopes Pacheco sees his opportunity there. When they finally arrived in Nampula, the expedition's fame had already preceded them and its most illustrious members are invited to dine that night at the residence of the local governor.
Intermingled among the guests, two PIDE inspectors wait for the right moment for the capture. Proculo in all his acts says nothing to confirm openly his political preferences, but the sentence was dictated and drafted for a long time. When they finally leave the reception, following a poorly lit path, Diogo strikes his friend on the back of the head and he falls limp on the floor. Captured, he is thus taken to prison.

Diário: Nos Idos de Março, a traição. 15 de Março de 1968.
Diary: In the Ides of March, betrayal. March 15, 1968.

Álvaro Gonçalves, corpo atarracado e de queixo pouco proeminente, um mau juiz, corrompido por Diogo Lopes Pacheco não leva o julgamento a arrastar-se por muito tempo – não fosse alguém ousar pedir clemência por esse homem – advogando lesta sentença de morte por crimes de traição à Pátria e ao Estado. As torturas 24 sobre 24 horas são uma constante ao longo de quase um mês.
Álvaro Gonçalves, a stocky body with a little prominent chin, a bad judge, corrupted by Diogo Lopes Pacheco does not lead the trial to drag on for a long time - were it not possible for someone to dare to ask for clemency for this man - advocating his death sentence for crimes of betrayal of the Fatherland and the State. Torture for 24 hours a day is a constant for almost a month.

Diário: Finalmente chegado a casa! 4 de Abril de 1968.
Diary: Finally got home! April 4, 1968.

Próculo caminha lentamente pois a tortura do sono e das cadeiras partidas no lombo deixam assim as suas marcas, corpo dorido, nós dos dedos roxos, quase surdo das torturas infligidas, face erguida em sinal sempre desafiante, rodeado pelos seus esbirros que não ousam então tocar-lhe, tolhidos e vergados à força do seu caracter. A cela fica então vazia. Nas paredes do cárcere, um pequeno poema gravado como filiforme passava despercebido a todos os olhares:

Já inocente não sou
Para muita, imensa pena minha
Penas de outros por mim não as desejo
Vá de retro Oh, beata caridadezinha
Já inocente não sou
Vejo hoje em dia de tudo o quanto baste.
Vejo além dos rostos de amarelados sorrisos mascarados
Totens da hipocrisia de osso e carne feitos
Alguns colegas e amigos
Que nossa rocha diziam ser muito ufanados
Na realidade revelaram-se bem outros
A mão direita estendida em cordialidade
Com a esquerda apunhalando essa inverdade
Hei-de ir um dia para a terra da amizade
Hei-de ir um dia para o povo dos sorrisos
Hei-de ter um cão para amizade fiel
Hei-de ter abelhas com a doçura do seu mel
A poeira da jornada cobre-me camada sobre camada
Caminhante sempre, assim tenho sido fadado
Das sandálias a lama e o pó limpo no dia-a-dia
Ansiando pelo fim da alegoria
Já inocente não sou nos dias de hoje
Cantor, poeta fui ? Talvez... não sei.
Quero voltar a sorrir, amar e ser amado
Por alguém que por mim espere, sendo esperado.
Ser novamente o Sol da Lua que amo imenso
E no céu estrelado encontrar de novo o certo rumo
Já inocente não sou mas quero bem voltar a ser
E rodeado de sorrisos um belo dia perecer.

A manhã tinha começado com uma suave brisa que soprava de Leste, trazendo o canto das gaivotas embalado pela esperança de um novo amanhecer. Próculo mira o pelotão de fuzilamento, cerrando firmemente os pulsos.
As últimas palavras trocadas com Helena ecoam na sua mente: “Prometes que voltas para junto de mim, quando terminares a tua expedição Augusto ?”. Helena sempre o tratara pelo seu segundo nome. “Sim, prometo minha Deusa, não vês como te Amo já?”. Aquele ténue momento de despedida pareceu-lhe ter ocorrido há décadas atrás... daria tudo naquele instante para regressar áquele pátio, pegar em Helena e levá-la consigo de volta para Portugal, para um sítio seguro e afastado de todos aqueles cenários.
Pedro Coelho, chefe do pelotão de fuzilamento era um homem fustigado pelo desejo de vingança do massacre dos seus ocorrido alguns meses antes e aquele homem na sua frente, personificava séculos de antagonismo e a raiva que sentia. No entanto, os poucos dias de convívio em que juntos privaram fez-lo ver que Próculo era um Homem bom. Uma mescla de sentimentos invade a sua mente em turbilhão de ideias antagónicas. Uma e outra vez, mira para a varanda, onde Álvaro Gonçalves se encontra impávido e sereno. Espera escutar uma ordem diversa, mas a mesma não chega: “Fogo!” é a sua última palavra pronunciada ao pelotão de fuzilamento.
O corpo de Próculo, varado pelas balas resultantes da fuzilaria, ajoelha em sinal de última prece aos seus algozes e finalmente frágil cai no chão enlameado, punhos cerrados.
No seu punho firmemente cerrado, quando muito a custo o conseguem abrir, encontraram uma pulseira com um coração em ouro puro... gravados, uma Lua com as iniciais H.M. Os que buscavam despojos no corpo jacente do explorador afastam-se então, sorrindo amareladamente entre si, já tinham ganho o dia.
Num repente as nuvens cerraram e as chuvas das monções do Índico começam a jorrar fortemente, como se os próprios céus chorassem pela morte de Próculo. Todos abandonam descompassada e atabalhoadamente o pátio e a varanda e, algum tempo depois, um pequeno e frágil vulto coberto por longa capa negra aproxima-se do corpo inerte. Após certificar-se que mais ninguém se tinha apercebido da sua presença, chama para si dois homens de alta estatura, recolhendo o corpo a um abrigo...
Nesse mesmo dia, a mais de uma dezena de milhar de quilómetros de distância, outro corpo tinha tombado assassinado. Num jornal esparramado pelo matope (lama) da rua, caído da varanda do mau juiz, ainda se podia ler a seguinte emblemática frase proferida por tal homem: “O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons.”
O que foi feito do corpo de Próculo nunca mais ninguém o soube. Os velhos jogando cartas na Ilha de Moçambique, nas escadarias de uma das múltiplas mesquitas que aí se erguem, áqueles poucos que por vezes ao passar perguntavam novas de Próculo diziam:
“Fátima Zacarias levou-o para junto de si!” Outros afirmavam que estava agora junto a Helena Melânia, que teria sobrevivido ao seu fuzilamento e agora viveriam felizes numa pequena ilha no arquipélago das Quirimbas, onde nenhuma inveja, maldade, escárnio ou mal dizer os poderia agora alcançar.
Após as agruras da longa jornada, pela primeira vez o explorador tinha finalmente chegado a casa!

Próculo walks slowly because the torture of sleep and the broken chairs on his back thus leave their marks, sore body, purple knuckles, almost deaf from the tortures inflicted, face raised in a sign always defiant, surrounded by his henchmen who do not then dare to touch him, stunted and bent by the force of his character. The cell is then empty. On the walls of the prison, a small poem recorded as a filiform went unnoticed by all eyes:


I'm not innocent anymore
For a lot, very sorry for me
Petty of others for me I do not desire them
Go away Oh, blessed little charity
I'm not innocent anymore
I see today all that is enough.
I see beyond the faces of yellowed masked smiles
Bone and flesh hypocrisy totems made off
Some colleagues and friends
That our rock said to be very proud
Reality, another was revealed
The right hand extended in warmth
With the left stabbing this untruth
I will one day go to the land of friendship
I will go one day to the people of smiles
I will have a dog for faithful friendship
I will have bees with the sweetness of their honey
The dust of the journey covers me layer upon layer
Hiker always, so I have been fated
From my sandals, the mud and dust cleaned on a daily basis
Longing for an end to the allegory
I'm not innocent nowadays
Singer, poet was I? Maybe, I do not know.
I want to smile again, love and to be loved
For someone waiting for me, being expected.
Be the Sun of the Moon I love so much again
And in the starry sky find the right direction
I'm not innocent, but I want to be

And surrounded by smiles a beautiful day to perish.

The morning had started with a gentle breeze blowing from the East, bringing the song of the seagulls lulled by the hope of a new dawn. Próculo targets the firing squad, firmly clenching his wrists.
The last words exchanged with Helena echo in his mind: “Do you promise to come back to me when you finish your expedition, Augusto?”. Helena had always called him by his second name. "Yes, I promise my Goddess, don't you see how I love you already?" That tenuous moment of farewell seemed to have happened decades ago ... he would have given everything at that moment to return to that courtyard, pick up Helena and take her back to Portugal, to a safe place and away from all those scenarios.
Pedro Coelho, the firing squad leader, was a man whipped by the desire of revenge for the massacre of his own a few months earlier and that man in front of him personified centuries of antagonism and the anger he felt. However, the few days of living together that they deprived made him see that Próculo was a good Man. A mixture of feelings invades his mind in a whirlwind of antagonistic ideas. Again and again, he looks out onto the balcony, where Álvaro Gonçalves finds himself unmoved and serene. He hopes to hear a different order, but it is not enough: “Fire!” Is his last word spoken to the firing squad.
Próculo's body, swept by the bullets resulting from the rifles, kneels as a sign of last prayer to his executioners and finally fragile falls to the muddy ground, clenched fists.
On his firmly clenched fist, when they were able to open it at great cost, they found a bracelet with a heart in pure gold ... engraved, a moon with the initials HM. Those looking for spoils in the explorer's body lay away, smiling yellowy among themselves, they had already won the day.
Suddenly the clouds closed and the monsoon rains in the Indian Ocean started to pour out, as if the skies themselves were weeping for Próculo's death. All of them abandon the courtyard and veranda in an unsteady and clumsy way and, some time later, a small and fragile figure covered by a long black cloak approaches the inert body. After making sure that no one else had noticed it's presence, it called two tall men for himself, taking the body to a shelter ...
That same day, more than a dozen thousand kilometers away, another body had fallen, murdered. In a newspaper spread across the mud of the street, fallen from the balcony of the bad judge, one could still read the following emblematic sentence uttered by such a man: “What worries me most is not the cry of the violent, nor the corrupt, nor the dishonest, nor the unethical. What worries me is the silence of good men."
What was done of Próculo's body was never known to anyone else. The old men playing cards on the Island of Mozambique, on the steps of one of the multiple mosques that rise there, for those few who sometimes when passing by asked for news from Próculo said:
“Fátima Zacarias took him with her!” Others claimed that he was now with Helena Melânia, who would have survived his firing squad and now they would be living happily on a small island in the Quirimbas archipelago, where no envy, malice, scorn or bad saying could reach them now.
After the hardships of the long journey, for the first time the explorer had finally arrived home!

P.s. - Sob o Pseudónimo Luce Fecit, escrito para Concurso da Tertúlia João de Araújo Correia.
Neste momento encontra-se a ser adaptado a Peça Teatral aqui em Moçambique e contamos levar a cena durante o próximo ano de 2020.
(Dedicado a uma Princesa Africana)

P.s. - Under the pseudonym Luce Fecit, written for the Tertúlia João de Araújo Correia Competition.
It is currently being adapted to a Theater Play here in Mozambique and we expect to take the stage during the next year of 2020.
(Dedicated to an African Princess)

Histórias de Café (Há uma Luz que brilha a Oriente) / Coffee Tales (There's a light that shines to the East)

No Natal de 2014, celebração do nascimento do menino-deus, a mitologia parecia acompanhar-me, por onde quer que fosse e nos locais mais improváveis.
De passagem fugaz por Selmes, entre acompanhamentos e reuniões, mais uma vez alguns pormenores diferentes retiveram a nossa atenção. 
Ao entrar num estabelecimento local (para beber um reconfortante café Delta), foi-nos dado a observar ainda hoje testemunhos desse imenso Sul Mediterrânico, tão bem descrito por Orlando
Ribeiro.

At the Christmas of 2014, celebration of the birth of the Boy-God, mythology seemed to accompany me, wherever I went and in the most unlikely places.
Passing fleetingly through Selmes, between accompaniments and meetings, once again some different details retained our attention.
Upon entering a local establishment (to drink a comforting Delta coffee), we were still able to observe testimonies of this immense Mediterranean South, so well described by Orlando Ribeiro.


Numa parede, um painel de seis azulejos retratava uma cena de inspiração grega.
Num navio a remos, três figuras femininas destacavam-se, depinicando cachos de uvas.
Na popa, alguns elementos cerâmicos transportavam presumivelmente preciosos néctares dos Deuses.
Ao fundo, à direita do observador, uma qualquer cidade-estado de inspiração helénica,
similar à visão idílica e romântica de Atenas e do seu Pártenon.
Ao pedir o café à proprietária, reparamos nas prateleiras por trás de si, num pequeno busto enegrecido de Tut-ank-Hamon.

On one of the walls, a panel of six tiles, depicted a scene of Greek inspiration. On a rowboat, three female figures stood out, deprecating bunches of grapes.
At the stern, some ceramic elements, presumably carried precious nectar's from the Gods.
In the background, to the right of the observer, any city-state of Hellenic inspiration, similar to the idyllic and romantic view of Athens and it's Parthenon.
When ordering coffee from the owner, we noticed the shelves behind her, a small blackish bust of Tut-ank-Hamon.



A única resposta que esta senhora dava ao porquê da presença de tais representações fechava-se num breve:
“Porque gostamos.”
Por cima de um alto e esguio frigorífico, a escultura de um touro.
Qual altivo pai de Minotauro, mirava todo este cenário em pose desafiante. “Que conversas teriam os
meros mortais, que lá por baixo falavam, apontando para si e outras relíquias?”
No balcão, outro cliente, qual Heródoto de barba hirsuta, ao saber que a minha profissão era a de arqueólogo, discorria teorias acerca da construção das pirâmides e demais monólitos.
Partilhou connosco, naqueles breves instantes, uma estória acerca da sua irmã, que tinha falecido há pouco tempo atrás... tinha emigrado em busca de um futuro melhor.
A Grécia tinha sido então a sua segunda pátria – uma vez mais o Mediterrâneo se nos apresentava, representado agora em contornos de tragédia grega.
O nosso afã diário e profissional pôs termo a estes profícuos mas breves momentos de conversa e tive de me retirar, despedindo-me de ambos amavelmente e agradecendo as fotos que tirei a todos estes pormenores.
Liguei o carro e passei ainda pela entrada do estabelecimento.
Recordando-me de uma recolha efectuada em 2010, na qual me tinha dito um velhote, ao falar sobre Deus e o Diabo, que: “Deus é o dinhêro e o Diabo é não o havêri!”, abri o vidro da janela e perguntei com um sorriso:
“Então e o Diabo, ainda anda aqui à solta por Selmes?”
A pronta resposta dada pelo velho Heródoto foi elucidativa:
“O Diabo? O Diabo emigrou, já cá não vive!”
Diabo era uma alcunha de um natural de Selmes que teria imigrado para o Algarve recentemente...
Aqui pelo Baixo Alentejo, pelos vistos até o “Diabo” emigra, em busca de um futuro
melhor.
Esperamos que os que por cá chegam, assim como os que aqui nascem e vivem, consigam levar a sua luta diária a bom porto e a desertificação se torne em apenas mais uma estória de um tempo distante, para escutar a um velho Heródoto do amanhã...

The only answer that this lady gave to the reason for the presence of such representations was closed in a brief: "Because we like it."
Above a tall, slim refrigerator, the sculpture of a bull.
As a proud father of the Minotaur, he looked at this scenario in a defiant pose. "What conversations would the mere mortals who spoke bellow could have been having, by pointing to themselves and other relics?".
At the counter, another client, like Herodotus with a beard, on learning that my profession was that of an archaeologist, was suddenly discussing theories about the construction of pyramids and other monoliths.
He shared with us, in those brief moments, a story about his sister, who had recently passed away... having migrated in search for a better future.
Greece had then been her second homeland - once again the Mediterranean presented itself to us, now represented in contours of Greek tragedy.
Our daily professional eagerness put a sudden end to these fruitful but brief moments of conversation and, I had to leave, saying goodbye to both of them kindly and thanking for the pictures I took for all these details.
I started the car and passed the entrance to the establishment.
Recalling a collection made in 2010, in which an old man said to me, when talking about God and the Devil, that: "God is money and the Devil is not having it!", I opened the car window and asked sharing a smile: "So, what about the Devil, is he still on the loose here at Selmes?"
The prompt answer given by the old Herodotus was illustrative: "The devil? The devil migrated, he doesn't live here anymore!"
"Devil" was a nickname of a habitant of Selmes, who would have immigrated to the Algarve just recently...
Here, in Lower Alentejo, by the looks of it, even the "Devil" migrates, in search of a better future.
We hope that those who might arrive here, as well as those who are born and live here, will be able to take their daily struggle to a successful harbor and the desertification would become just another story from a distant time, to listen to an old Herodotus of tomorrow...

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Poemas soltos (XIV)

"A Rainha de Milamba"

Há mais de um século
mãos obraram um esforço tamanho
erigindo com toneladas monumento,
de cal branquinha num esforço sobrehumano
o propósito da tarefa dava alento!

Em 2019, estrangeiro empreendimento
solicitou a mudança de local.
Tudo feito com respeito, afinal...
Era local de humano enterramento.

Lendas diziam que uma Rainha ali jazia!
Outros afirmavam que Indiana era a Etnia.
Esta e outra versão se escutava,
que o monumento iria mas... voltava,
qual capela ou mesquita encantada.

Os arqueólogos romperam com o mito,
se da Rainha pois nada havia escrito!
E no fosso aberto para sepultura,
jazia então pequena e frágil criatura.
Um Príncipe ou Princesa muito amado
teria na vida cumprido um curto fado.

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Lendas, Liberais e Miguelistas, Castro dos Ratinhos (Moura)

Velhas Lendas do Castro dos Ratinhos (Moura)
(apontamentos recentes sobre recolhas inéditas efectuadas em 1960)
Marco Valente
Wanda Rodrigues


Lutas de liberais

Informação presente no artigo do Dr. Fragoso de Lima no Jornal de Moura de 22 de Julho de 1944: “Na época das guerrilhas houve combates nos dois castelos. No de Pardieiros estavam os liberais, no de ratinhos os miguelistas. Os inimigos defrontavam-se com artilharia…” «Alguns campónios exageram e contam que»… “nos Ratinhos até esteve el-rei D. Miguel e seu irmão D. Pedro em Pardieiros…” «Na realidade parece que do Castro dos Ratinhos foram lançados tiros sobre o castro dos Pardieiros, pois têm aparecido neste último local várias balas de ferro de peça de artilharia, especialmente nos lados que dão para a fortaleza da Margem Esquerda. Recentemente foi uma dessas balas encontrada pelo abastado lavrador Sr. Joaquim Pires Caeiro. Sabemos ainda por este artigo que no Castro dos Ratinhos foi encontrada uma moeda do tempo de D. Miguel, um pataco cunhado em 1831.” (IBIDEM:1960:93-94).



Esta Lenda em si, recordou-me as histórias que o meu pai, António José Valente, me costumava contar quando era mais novo, acerca do Cerco do Porto.
Uma delas era muito similar à que teria tido por cenário o Castro dos Ratinhos e o Castro de Pardieiros.
Aparentemente D. Miguel teria estado do lado de Gaia, segundo uma versão, no Alto de S. Gens, numa outra, a passar em revista as suas tropas e liderando um dos múltiplos ataques por parte dos realistas contra os sitiados liberais seguidores do seu irmão D. Pedro I. Reza a Lenda que um atirador especial tinha D. Miguel debaixo de mira e que perguntara a D. Pedro I se tinha autorização para fazer o disparo. D. Pedro I teria então replicado: “Não dispares, que esse homem é meu irmão!”
Esta pequena história, propagada pelos vencedores constitui uma prova mais de magnanimidade e justiça face à causa liberal. D. Pedro I, paladino dos liberais, mostrava um exemplo mais da nobreza do seu carácter, pelo menos no que diz respeito ao campo das Lendas e de construção de Mitos.
Dizia-me o meu pai que tinha escutado já esta lenda a seu pai, Carmelino Luís Valente, falecido agora há já mais de cinco décadas[1].


[1] Teriam estas versões lendárias acompanhado as tropas liberais, que quando vindas do Porto por mar, iniciaram uma segunda frente de combate a partir do Algarve, com direcção a Lisboa, comandados pelo Duque da Terceira? Ou chegaram a Moura por outras vias? Talvez nunca o venhamos a saber. O que é um facto é que o episódio contado em Moura e recolhido em 1960 por Wanda Rodrigues se assemelha ao que meu pai me contava na década de 80 do século XX, mas que já vinha de gerações anteriores à sua. Um facto mais é que D. Pedro IV e D. Miguel I nunca se confrontaram pessoalmente no Alentejo, mas ambos estiveram presentes, e por mais do que uma vez, a comandar tropas nos vários episódios do Cerco do Porto.

Pequeno excerto do artigo publicado no n.º 23 da Aldraba, Junho de 2018, Associação do Espaço e Património Popular

Bibliografia consultada:

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·         FRAZÃO, Fernanda; MORAIS, Gabriela (2009): Portugal, Mundo dos Mortos e das Mouras Encantadas, Apenas Livros, Colecção OFIUSA, n.º 17, Lisboa;
·         FRAZÃO, Fernanda (2006): Passinhos de Nossa Senhora – Lendário Mariano, Apenas Livros, Lisboa;
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·         GRAÇA, Natália Maria Lopes Nunes da (2000): Formas do Sagrado e do Profano na Tradição Popular – Literatura de transmissão oral em Margem (Concelho de Gavião), Edições Colibri, Sociedade & Quotidiano, n.º 12, Lisboa;
·         LIMA, José Fragoso de (2003): Elementos Históricos e Arqueológicos do Concelho de Moura, Câmara Municipal de Moura;
·         LIMA, José Fragoso de (1999): Monografia Arqueológica do Concelho de Moura, Câmara Municipal de Moura;
·         MARQUES, Gentil (1999): Lendas de Portugal, 3ª ed., 5 vols., Âncora Editora;
·         MÜLLER, Adolfo Simões (1985): O Príncipe Imaginário e outros Contos Tradicionais Portugueses, Distri Editora;
·         PARAFITA, Alexandre (2002): Antologia de Contos Populares, 2 vols., Plátano Editora, Colecção Tesouros da Memória;
·         PARAFITA, Alexandre (2000): O Maravilhoso Popular Lendas Contos Mitos, Plátano Editora, Colecção Tesouros da Memória;
·         RODRIGUES, Wanda Rodrigues e (1960): Panorama Geral da Arqueologia no Concelho de Moura, (Dissertação de Licenciatura em Ciências Históricas e Filosóficas), Faculdade de Letras de Lisboa, Lisboa;
·         VALENTE, Marco (2013): A Luz da Caniceira – um conto popular alentejano, In Aldraba, Boletim da Aldraba – Associação do Espaço e Património Popular, n.º 13, Lisboa, pp. 16-20;
VALENTE, Marco (2008): Lendas de Mouros e Mouras da Serra do Caldeirão breves apontamentos, In Aldraba, Boletim da Aldraba – Associação do Espaço e Património Popular, n.º 6, Lisboa, pp. 16-18

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