domingo, 3 de abril de 2016

Fantasmas, vultos e sombras (VI)

Maria Luísa Martins Rodrigues, 41 anos, natural de Osnabrück (Alemanha), a viver em Ferreira do Alentejo conhece várias estórias de fantasmas. Umas por intermédio de outras pessoas e outras porque as viveu na primeira pessoa.
Relatamos em seguida os episódios que conhece e/ou viveu, agradecendo a disponibilidade por si demonstrada para os relatar:

Os espíritos da Igreja da Misericórdia

Eu acho que já houve mais almas penadas. (…) Na minha adolescência dava para sentir as almas penadas.(…) Um sítio que eu achava que era mais «carregado», com muito sofrimento, era ali ao pé da Igreja da Misericórdia.(…) Cheguei a escutar a voz de uma mulher num sofrimento muito grande. Por isso não gosto de ir lá sozinha.

O fantasma do «Conde» do Museu de Ferreira do Alentejo

Na zona do Museu existem vários fantasmas. Porque uma parte deste edifício chegou a ser um tribunal e uma prisão.

Existia um «Conde» (que não era bem Conde, a mãe era Baronesa). Mas ficou sempre conhecido como o «Fantasma do Conde». (…)
O «Conde» era muito boémio e ele tinha quantas mulheres queria e lhe apetecia à vontade.
A Baronesa [sua mãe] queria que ele casasse, mas ele não havia meio de o fazer./
Creio que foi com uma inglesa (que ele foi a Inglaterra ou ela veio cá), que ele se apaixonou. E essa rapariga, essa dama, tinha olhos claros. E ele encantou-se pelos olhos da rapariga. Ela foi para o país dela e ele ficou cá e, naturalmente, os seus «affaires» continuaram. Ele ali em casa tinha uma criada mais ou menos da idade dele. Esta começou a fazer parte dos «affaires» dele e a sua mãe, a Baronesa descobriu e a Dama inglesa também descobriu que ele não era homem de uma, nem duas, nem de três mulheres. Por que ele era uma figura bem parecida, muito atractivo. Ela nunca mais quis saber dele. Ela na terra dela e ele cá.
Com a criada continuou os seus «affaires». A Baronesa não queria que esse caso continuasse.
A Baronesa tinha um caniche que costumava levar ao colo. Um dia a Baronesa estava a descer as escadas que vão hoje para o primeiro andar do Museu. A dita criada estava lá em cima a fazer os trabalhos dela e apercebeu-se que a Baronesa ia descer as escadas. Ela sabia que a Baronesa não gostava nada dela e já a tinha ameaçado de a mandar embora se ela não terminasse os «affaires» com o seu filho. A Baronesa desceu um, dois ou três degraus e a dita criada veio por trás e empurrou-a. E a Baronesa morreu. [O fantasma desta criada continua a surgir no Museu, tendo inclusive tentado empurrar uma funcionária pelas escadas abaixo há algum tempo atrás].
O Conde acabou por nunca casar, mas ficou sempre com a dita inglesa na memória, porque ele tinha um fascínio por mulheres de olhos claros. (…)
Há alguns anos atrás o Museu estava em obras, também numa das partes que tinha sido a cozinha. E então, eu não sei bem o que é que eu fui fazer lá acima (se fui à procura de alguém, se fui buscar qualquer coisa, já não sei). Fui pela zona do quintal, subi as escadas, entrei e, naquela zona da chaminé do Museu, na cozinha, estava ali uma mesa à frente (onde eles tinham as coisas todas, papéis e isso). A chaminé, sabe o que é que foi uma luz? Um clarão laranja e ao mesmo tempo amarelo? (…) Sei que olhei, quer dizer, eu vi foi um clarão. Por acaso estava tudo muito escuro, estava com as janelas fechadas, e à frente muito escuro. Ainda mais aquele dito clarão sobressaia, quer dizer, deu para ver que estava ali a chaminé e o dito clarão. Depois com aquele clarão, fiquei…. dei assim um passo, assim para o lado e isso. E de repente desse dito clarão, senti tipo um vento assim tipo a passar e as portas à frente assim, tipo como se tivesse alguém passado. Eu só tive tempo de avançar, e ir para as portas e ouvir os passos no soalho. Pesados,  uns passos pesados, aquelas botas mesmo, e ver assim de costas uma figura, mas não deu para definir a figura. Eu continuei e foi até à outra sala e perdeu-se.
Fiquei assim, mas…. Eu sei que vim para baixo, quer dizer, não tava à espera de um contacto assim tão próximo. Foi mesmo e, pronto claro, eles notaram que eu vinha super nervosa. Tive a contar a estória e isso, fiquei assim. (…)

Ele [o «Conde] um dia, foi comigo para casa. Não me pergunte porquê. Eu não senti que ele ia comigo. Eu quando cheguei a minha casa. Entrei em casa, deixei as coisas lá em cima, desci as escadas, fui para a cozinha e ao passar no corredor, tenho a sala no lado direito com os cortinados brancos. E as janelas estavam abertas(…)
Olhei para o lado e vi assim, mesmo de perfil, com um sobretudo antigo, preto, o perfil do «Conde». (…) Mas não foi só dessa vez, depois começou-me a aparecer mais claro. (…) da outra vez foi na sala de estar e estava no sofá. Mas aí já apareceu claro e eu fiquei assim, isto é impossível l!!!
Ele de vez em quando aparece. Mas a mim nunca me fez mal. Eu acho que no Museu chegaram a ver este fantasma. Um dos trabalhadores das obras do Museu chegou a ver alguma coisa. Quando ele [o «Conde«] estava por perto (aparecia) sentia um odor perfumado – como os cheiros de casa da minha madrinha quando ela fazia perfumes em casa.
Depois já não o visualizava mas sentia a sua presença.


As almas do Palacete

Uma zona com uma carga muito negativa, que diziam ver passar almas penadas é em frente ao Palacete, na Rua Conde de Vilhena. E chegaram-me a dizer que sentiam, que viam almas a passar lá dentro do edifício. Ali era uma zona muito carregada.

O Espírito que aparecia às crianças

Quando eu era pequena eu e o meu irmão dormíamos no mesmo quarto em camas separadas. Eu dormia com a cabeça em frente à porta e o meu irmão dormia com a cabeça para a parte da porta. E aconteceu numa noite, da janela e isso, com as luzes da rua lá fora, pelo cortinado, de ver uma figura também preta, com um chapéu de copa alta, barba (deu para definir que tinha barba) e com um nariz aquilino. E, tipo, debruçado sobre a cabeceira do meu irmão, a olhar para ele. E, parece-me que ele tinha um daqueles casacos antigos, assim mais largos nos ombros. Mas a minha mãe também (depois contei à minha mãe…), ela disse-me depois, que também tinha visto essa figura, esse mesmo homem, mas na casa da minha falecida avó. A casa que é praticamente em frente (não é bem em frente é um bocadinho mais acima). Mas também a viu, viu lá em casa, viu quando era pequena, a mesma figura que não sabe quem é chegou a visualizar a mesma figura, uma figura antiga.

O filho que morreu duas vezes

Este caso terá acontecido no século XIX, aqui em Ferreira do Alentejo.
A Capela de Santo António fazia parte de um solar que já não existe, pertença de uma família espanhola. Esse casal tinha um filho ainda jovem. Um dia, parecia que ele tinha morrido (mas estava em coma) e os pais velaram-lhe o corpo. Enterraram-no aqui na capela, mas pareceu-lhes escutar um gemido. Levantaram a pedra tumular e começaram a escavar para o desenterrarem. Quando finalmente chegaram ao corpo, este estava virado de lado, mas chegaram tarde demais, pois agora sim, o seu filho estava morto.
A dor com este episódio e com a perda do filho foi tanta que eles venderam a propriedade passado pouco tempo e foram embora daqui.

Sabe-se lá quantas pessoas nesses tempos terão morrido de tal forma…"

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Contrabando (I)

“(Foi um acontecimento passado nesta povoação nos anos 20 do século passado, os nomes das pessoas envolvidas são fictícios)

Mestre Romão Moita Mariano

O denunciante (uma história verídica)

Há muito que a guarda-fiscal não apanhava uma carga de contrabando.
Toda a aldeia sabia que o contrabando se fazia e quem eram os contrabandistas, contudo, ninguém se atrevia a denunciar quem quer que fosse. Era uma maneira como outra qualquer de ganhar a vida, e não havia quem quisesse ficar em “cheque” acusando essa pobre gente, que arriscava a vida para ganhar algum.
O capitão da guarda, que em Serpa ouvira uns “zunzuns” resolveu uma tarde visitar o posto da aldeia. Chamou o cabo e os soldados ao gabinete superior e ali com voz de trovão falara com aspereza aos seus subordinados.
“Isto tem de mudar! Vocês andam há meses a dormir na forma; o café vai para Espanha às toneladas, que eu sei que vai… mas vocês!... Não apanham, ou não querem apanhar esses traficantes. Se isto continuar vou transferi-los a todos.” Ficaram um pouco perturbados, ao ouvirem o desabafo do capitão naquela tarde.
O Chico Bailão, feitor da herdade da Amendoeira viera nessa tarde a fazer “avio” da semana, na sua égua preta. Depois de encher o alforge com artigos de mercearia, roupas, tabaco e vinho, fez por passar pela porta do posto da guarda-fiscal. Trazia um segredo consigo e uma grande vontade em revelá-lo.
Na herdade onde o Bailão era feitor havia o sítio denominado “os quatro caminhos” que era o ponto estratégico onde se juntavam os contrabandistas.
Há muito que o feitor suspeitava, uma noite pôs-se à “coca” escondido na ramada de uma azinheira, ficando ciente de como as coisas se processavam.
Quatro indivíduos montados em cavalos e em muares vindos de partes diferentes, juntavam-se ali no velho sobreiro junto aos quatro caminhos. Após trocarem meia dúzia de palavras, enquanto fumavam o seu cigarro ajeitavam as cargas de café e partiram a galope rumo á fronteira; uma vez lá chegados mudariam as cargas para outros animais da mesma espécie, mas estes provenientes de Espanha, conduzidos por Andaluzes que fariam o resto da transferência. Tudo isto era relatado, com certo regozijo pelo feitor ao cabo Lopes, que não podia esconder também o seu contentamento.
- Muito agradecido, amigo Bailão; não queira saber a vontade que eu tenho de apanhar esses “trunfos”! Disse o cabo ao despedirem-se.
A noite ameaçava chuva. Estava escuro como breu. O cabo Lopes reunindo com os soldados da guarda-fiscal, contou-lhe o sucedido, combinando logo para aquela noite, a emboscada. Iriam jantar, depois partiam imediatamente.
Era já quase meia-noite na taberna do tio Valente, ainda se ouviam umas vozes altas, muito embora amistosas de três homens que teimavam esgotar o garrafão que o velho colocara em cima do balcão.
Impaciente, a pata faiscando de vez em quando, pela fricção da ferradura no duro granito da calçada. A égua e o taberneiro, já estavam ali pelos cabelos!... Começava a cair uma chuva miudinha. O Bailão ajudado pelos dois companheiros, lá conseguiu estribar-se na mansa égua que o levaria ao monte da herdade da Amendoeira.
O animal partira num trote rijo, rasgando a noite, cortando o denso nevoeiro, sem se afastar um decímetro sequer da espinha da carreteira parando só quando alcançasse a rua do monte da herdade. O seu dono bêbado que nem um cacho, sabia que assim era, não tinha a menor dúvida nem o menor receio.
Já várias vezes isso tinha acontecido, meteu os pés nos estribos, juntou as mãos, com as rédeas presas junto à crina da égua e deixou-se levar pelo inteligente animal.
Havia junto aos quatro caminhos um silvado espesso que denunciava um estreito barranco pequeno afluente do rio Guadiana. Foi ali onde os seis guardas se esconderam de arma apertada à espera que os contrabandistas surgissem. O cabo Lopes riscara um fósforo para ver as horas, “é meia-noite e quarenta”, murmurou, “cheira-me a fracasso!...” Pouco depois um frouxo ruído quebrava o silêncio sepulcral daquela noite. De imediato não o souberam distinguir, pois que a terra lamacenta dava um eco diferente aos passos do animal; mas quando este passou por eles tiveram a certeza que era uma besta, um homem e uma carga. O cabo Lopes gritou:
- Para quem aí vai! Alto!, gritaram os guardas em coro; mas a égua do Bailão, talvez das vozes que não esperava, assustou-se e multiplicou a passada. Foi então que seis balas saíram simultaneamente dos canos das carabinas, indo uma delas alojar-se no tronco do infeliz Bailão.
Como de costume, a égua só parara na rua do monte. Um corpo morto, com um cotovelo metido na boca do alforge e as botas encravadas nos estribos, sangravam sobre o animal.
Ainda a manhã mal tinha despontado, já havia um certo burburinho na terra.
A mulher do regedor ia informando aquela gente cheia de curiosidade: “Vieram esta madrugada chamar o meu marido! O sr. Bailão chegou morto ao monte da Amendoeira. Ninguém sabe quem o matou.
As pessoas arredavam, vindo outras ocupar o seu lugar. Todas movidas pela mesma curiosidade que é natural quando estes casos acontecem.
Já o sol naquele dia se escondera e ninguém sabia quem era o assassino!
Nem os próprios guardas o poderiam saber!... Foi o cabo Lopes? Foi o guarda Aniceto? Foi o Moreno? Foi algum dos outros três? Dispararam os seis quase ao mesmo tempo, uma só bala fez tombar o Bailão e a noite escura, caprichosa, encarregou-se de esconder o resto.

1980
Romão Moita Mariano”


(Fomos informados na altura que esta história já teria sido publicada, salvo erro, no Diário do Alentejo. Recolha efectuada a 07 de Julho de 2014).