segunda-feira, 13 de maio de 2019

Lendas, Liberais e Miguelistas, Castro dos Ratinhos (Moura)

Velhas Lendas do Castro dos Ratinhos (Moura)
(apontamentos recentes sobre recolhas inéditas efectuadas em 1960)
Marco Valente
Wanda Rodrigues


Lutas de liberais

Informação presente no artigo do Dr. Fragoso de Lima no Jornal de Moura de 22 de Julho de 1944: “Na época das guerrilhas houve combates nos dois castelos. No de Pardieiros estavam os liberais, no de ratinhos os miguelistas. Os inimigos defrontavam-se com artilharia…” «Alguns campónios exageram e contam que»… “nos Ratinhos até esteve el-rei D. Miguel e seu irmão D. Pedro em Pardieiros…” «Na realidade parece que do Castro dos Ratinhos foram lançados tiros sobre o castro dos Pardieiros, pois têm aparecido neste último local várias balas de ferro de peça de artilharia, especialmente nos lados que dão para a fortaleza da Margem Esquerda. Recentemente foi uma dessas balas encontrada pelo abastado lavrador Sr. Joaquim Pires Caeiro. Sabemos ainda por este artigo que no Castro dos Ratinhos foi encontrada uma moeda do tempo de D. Miguel, um pataco cunhado em 1831.” (IBIDEM:1960:93-94).



Esta Lenda em si, recordou-me as histórias que o meu pai, António José Valente, me costumava contar quando era mais novo, acerca do Cerco do Porto.
Uma delas era muito similar à que teria tido por cenário o Castro dos Ratinhos e o Castro de Pardieiros.
Aparentemente D. Miguel teria estado do lado de Gaia, segundo uma versão, no Alto de S. Gens, numa outra, a passar em revista as suas tropas e liderando um dos múltiplos ataques por parte dos realistas contra os sitiados liberais seguidores do seu irmão D. Pedro I. Reza a Lenda que um atirador especial tinha D. Miguel debaixo de mira e que perguntara a D. Pedro I se tinha autorização para fazer o disparo. D. Pedro I teria então replicado: “Não dispares, que esse homem é meu irmão!”
Esta pequena história, propagada pelos vencedores constitui uma prova mais de magnanimidade e justiça face à causa liberal. D. Pedro I, paladino dos liberais, mostrava um exemplo mais da nobreza do seu carácter, pelo menos no que diz respeito ao campo das Lendas e de construção de Mitos.
Dizia-me o meu pai que tinha escutado já esta lenda a seu pai, Carmelino Luís Valente, falecido agora há já mais de cinco décadas[1].


[1] Teriam estas versões lendárias acompanhado as tropas liberais, que quando vindas do Porto por mar, iniciaram uma segunda frente de combate a partir do Algarve, com direcção a Lisboa, comandados pelo Duque da Terceira? Ou chegaram a Moura por outras vias? Talvez nunca o venhamos a saber. O que é um facto é que o episódio contado em Moura e recolhido em 1960 por Wanda Rodrigues se assemelha ao que meu pai me contava na década de 80 do século XX, mas que já vinha de gerações anteriores à sua. Um facto mais é que D. Pedro IV e D. Miguel I nunca se confrontaram pessoalmente no Alentejo, mas ambos estiveram presentes, e por mais do que uma vez, a comandar tropas nos vários episódios do Cerco do Porto.

Pequeno excerto do artigo publicado no n.º 23 da Aldraba, Junho de 2018, Associação do Espaço e Património Popular

Bibliografia consultada:

·         ARIMATEIA, Rui (Coord.) (2011): Oralidades ao encontro de Giacometti, Edições Colibri, Lisboa;
·         BRAGA, Teófilo (1999): Contos Tradicionais do Povo Português, 5ª ed., 2 vols., Publicações Dom Quixote, Lisboa;
·         CABRAL, Luís de Almeida; PASCOAL, Frei Diogo Vaz (1991): História da Notável Vila de Moura, 3.ª ed., Câmara Municipal de Moura, Moura;
·         CLETO, Joel (2013): Lendas do Porto, 3 vols., Verso da História;
·         FRAZÃO, Fernanda; MORAIS, Gabriela (2009): Portugal, Mundo dos Mortos e das Mouras Encantadas, Apenas Livros, Colecção OFIUSA, n.º 17, Lisboa;
·         FRAZÃO, Fernanda (2006): Passinhos de Nossa Senhora – Lendário Mariano, Apenas Livros, Lisboa;
·         FRAZÃO, Fernanda (2004): Lendas Portuguesas da Terra e do Mar, Apenas Livros, Lisboa;
·         GRAÇA, Natália Maria Lopes Nunes da (2000): Formas do Sagrado e do Profano na Tradição Popular – Literatura de transmissão oral em Margem (Concelho de Gavião), Edições Colibri, Sociedade & Quotidiano, n.º 12, Lisboa;
·         LIMA, José Fragoso de (2003): Elementos Históricos e Arqueológicos do Concelho de Moura, Câmara Municipal de Moura;
·         LIMA, José Fragoso de (1999): Monografia Arqueológica do Concelho de Moura, Câmara Municipal de Moura;
·         MARQUES, Gentil (1999): Lendas de Portugal, 3ª ed., 5 vols., Âncora Editora;
·         MÜLLER, Adolfo Simões (1985): O Príncipe Imaginário e outros Contos Tradicionais Portugueses, Distri Editora;
·         PARAFITA, Alexandre (2002): Antologia de Contos Populares, 2 vols., Plátano Editora, Colecção Tesouros da Memória;
·         PARAFITA, Alexandre (2000): O Maravilhoso Popular Lendas Contos Mitos, Plátano Editora, Colecção Tesouros da Memória;
·         RODRIGUES, Wanda Rodrigues e (1960): Panorama Geral da Arqueologia no Concelho de Moura, (Dissertação de Licenciatura em Ciências Históricas e Filosóficas), Faculdade de Letras de Lisboa, Lisboa;
·         VALENTE, Marco (2013): A Luz da Caniceira – um conto popular alentejano, In Aldraba, Boletim da Aldraba – Associação do Espaço e Património Popular, n.º 13, Lisboa, pp. 16-20;
VALENTE, Marco (2008): Lendas de Mouros e Mouras da Serra do Caldeirão breves apontamentos, In Aldraba, Boletim da Aldraba – Associação do Espaço e Património Popular, n.º 6, Lisboa, pp. 16-18

Petição pela Defesa do Património Arqueológico Nacional

Petição pela Defesa do Património Histórico Português pelo Mundo

As memórias desta Antiga Nação,
sempre têm sofrido uma viva opressão!
De corjas de seguidores do obscurantismo,
jorrando das entranhas do inferno, o fascismo...
Por isso vos peço, a todos que leis,
Singela assinatura nestes modestos papéis.
Por algo que sempre nas nossas veias corre
De que é feito o ADN de um povo mui nobre.
Para que os arqueólogos possam vir a descobrir,
Objectos, memórias, pedaços de vida...
Nossa Narrativa comum enriquecida
Leitores que ledes, entrai, assinai e partilhai, se vos convir.
(1.188 assinaturas de todo o Mundo, dão-nos o alento de um amanhecer mais fecundo)

sábado, 11 de maio de 2019

Lenda do Homem Pássaro


Lenda do Homem Pássaro



Em antigos cultos celtas, o fenómeno da metempsicose encontra-se sempre ou quase sempre presente. Através deste fenómeno, uma alma transmigraria de um corpo para outro, mesmo que de espécies diversas, uma reencarnação.
Sabemos, pelas descrições de Júlio César, na sua obra ímpar acerca dos Celtas da Gália «De Bello Gallica», Livro VI, XIV, no qual o tema central da religião desses povos celtas era a metempsicose (a possibilidade da alma humana reencarnar em outros seres animais e vegetais).
Na ida da alma deste mundo para o outro, sabemos através de Tiberius Catius Asconius Silius Italicus – ao contrário dos romanos que não concebiam sequer a ideia de um corpo insepulto – que para os povos celtas as aves de rapina desempenhavam um papel primordial: «(...) para esses homens [celtas] a morte em batalha é gloriosa; consideram um crime enterrar-se o corpo de um destes guerreiros, porque acreditam que a sua alma sobe aos deuses do céu, se o seu corpo ficar exposto no campo de batalha para ser devorado pelas aves de rapina» (Punica, 3 340-343). E ainda alguns séculos mais tarde Claudius Aeianus (Séc. II-III d.C.) afirmava: «àqueles que perdiam as suas vidas em combate eles consideravam-nos como nobres, heroicos e cheios de bravura, lançando os seus corpos aos abutres acreditando que esta ave era sagrada» (De Natur. Anim. X.22).

Em várias partes do Mundo, lendas e mitos acerca dos Homens Pássaro podem ser encontradas, como por exemplo este registo do aluno de Machanga, Mário Domingos Gimo, recolhido a 29 de Junho de 2018:
“Há muito tempo havia três (3) homens que vieram na casa de três meninas, numa zona em que quando chegaram numa casa queriam casar e foram aceites, mas os vizinhos sabiam que não eram bons homens.
E aquelas mulheres aceitaram casar-se e levaram as esposas e foram e quando ficaram os vizinhos começaram a explicar aos pais daquelas meninas que não eram aqueles bons homens, porque quando iam à pesca pegavam o peixe e começavam a tirar os olhos e ao pegar primeiro cantavam e mudavam, ficavam passarinhos e começavam a tirar os olhos, mas os pais delas não acreditaram.
E um dia, os irmãos foram visitar as manas e quando chegaram foram recebidos bem, comeram e os cunhados foram pescar e vieram com peixes que não tinham olhos e os irmãos das esposas desconfiaram e pediram aos cunhados que queriam ir pescar com eles e os cunhados aceitaram e quando foram começaram a pescar e não pegavam nada e começaram a cantar aquela música com voz alta e mudaram, ficaram com forma de pássaro e foram para baixo de água e começaram a apanhar peixe e a por na canoa, tiravam os olhos e mudaram novamente de forma. Foi aí que os irmãos acreditaram naqueles viinhos e seguiram, foram ditos que não eram pessoas e ficaram sem as esposas.”
[Informante Luis Calamoni, 46 anos]

E ainda outro registro, do aluno João Jeremias Charles, recolhido a 26 de Junho de 2018:
“Era uma vez, um senhor que era pescador.
Este senhor casou-se com uma menina muito bonita e, como sempre, traia-lhe os melhores peixes do mangal. Num certo dia, quando o pescador se preparava para ir á pesca, o irmão mais novo da menina, pediu que fossem juntos. O pescador não negou, embora isso fosse para si um sacrificio. Chegado o momento da partida, o pescador disse ao cunhado.
- Lá no mangal, há muitas coisas que muitas vezes acontecem e se acontecer alguma coisa não podes assustar-te e não deves contar à família.
- O cunhado concordou.
Ao chegar no mangal, o pescador fe as suas manias e não conseguiu nenhum peixe, e o pescador cantou então a sua música:
«Maya mbererua wê, ku funua ngozi-chiri, mbereuia wê».
O pescador continuava a cantar até que se transformou em grande passarinho, e mergulhou, voltando com muitos peixes.
O pequeno cunhado quase desmaiava de susto, mas não tardou a vencer o susto.
Ao regressar a casa, a esposa serviu-lhe a água para o banho. depois ao anoitecer a família reuniu-se a volta da fogueira, o cunhado pediu permissão à irmã para cantar uma canção.
Cantando o cunhado, o marido pediu para que parasse de cantar, só que o menino cantou mais alto até que o pescador, transformando-se num grande pássaro e acabou por fugir.”
[Informante Jorge António Matiace Luchato][1]

Pelo mundo temos ainda -  e apenas para dar mais alguns exemplos – os Tengu (Japão):
“No passado, os tengus eram tidos como forças perigosas da natureza, como a maioria das criaturas sobrenaturais. Durante o Período Heian (794-1185), houve histórias de tengus causando diversos problemas a monges budistas, por vees carregando-os até um lugar distante e largando-is lá, ou enganando e possuindo pessoas.
A partir do período Kamakura (1185-1333), surgiram algumas variantes da lenda dividindo os tengus entre kotengus, os tengus mais próximos de pássaros que atacam humanos e até os levam à loucura, e os daitengus, os tengus de aparência mais humana que são tidos como sábios, poderosos e, de certa forma, até mais perigosos.
Foi um tengu quem ensinou a arte da espada a Minamoto no Yoshitsune, que veio a se tornar um dos samurais mais famosos do Japão. A partir de então, os tengus passaram a ser associados a grandes abilidades guerreiras.
Com o passar do tempo, embora tenham mantido seu ar ameaçador e até bélico, eles coemçaram a adquirir uma natureza mais benéfica. Hoje, também são entendidos como guardiões das montanhas, seu habitat natural.”[2]

Na Amazônia temos ainda a “Lenda do Uirapuru” ou na Polinésia nas ilhas Motuiti e Motunui também a "Lenda do Homem Pássaro".
Voltaremos a esta questão em breve.

Por enquanto ficam os dois registos inéditos recolhidos em Moçambique pelos alunos da Escola de Santa Teresinha do Menino Jesus de Zivava, Machanga. Agradecemos aos Professores envolvidos nestas recolhas: Castigo José, Herculano António Alferes e Bernete Castigo. Ao Director da Missão, Dr. Domingos Júnior e ao Director da Esmabama Dr. Fabrizio Giovanbatista Graglia, fica também o nosso sincero agradecimento pela possibilidade que nos deram de efectuar esta recolha, que continua a decorrer no presente momento, com centenas de histórias já recolhidas. No futuro existirão boas novidades quanto a estas temáticas. Estamos em crer certamente.
 Bibliografia consultada:
·         BEIGI, Yasaman Hassan; VALENTE, Marco (2016): Animal depictions on inedited archaeological artifacts from Pias (Serpa, Beja, Portugal), In Arnava – refereed jornal, Vol. V, nº 1, pp. 64-78;
·         MAÇARICO, Luís F.; ISABEL, Ana; MARQUES, Maria João; VALENTE, Marco (no prelo): Povo de Pias – Identidade e Imaginário Popular;
·         “Metempsychosis” – Merriam-Webster Dictionary
·         VALENTE, Marco (no prelo): Lendas e Mitos Rurais e Urbanos de Moçambique (um Mundo em extinção)?
·         https://tocadofenrir.wordpress.com/2017/04/27/tengu-do-folclore-japones/ [consultado online a 11-05-2019]



[1] Todos estes registou lendários estão a ser recolhidos, inventariados, digitalizados e tratados, para cumprir com uma série de objectivos. Edição de livros, artigos, conferências e apresentações. Criação de Bases de Dados locais e na Grécia em parceria com uma Universidade Grega, em projecto a submeter à União Europeia brevemente.