Aos Pastores (moirais e
maiorais[1])
Toda a vida fui pastor
Toda a vida guardei gado
Até à morte por todos fui respeitado
Em minha última caminhada fui louvado
Pelos ásperos e ondulados xistos
serranos
Em transumância cíclica e constante
Sornego[2], rugas formando com seus
sulcos
Vestígios de um caminhar jamais
errante
Trago na pele as marcas do meu viver
Nas mãos, músculos e ossos sinais do
meu sofrer
Aos estranhos recebo com um sorriso
Após inicial receio e sobreaviso
Conheço cada pedra, árvore e recanto
Cada peco[3], ribeira e barranco
Searas, montes, montanhas, filhos e
mães
Aldeias, gentes, lugares, bestas e
cães
Para mim nunca nenhuma terra era
estranha
Nem possuía referências obscuras
Desde as planícies douradas ou
verdejantes
Às ásperas montanhas… vidas tão duras
As carraças que pelas minhas pernas
sobem
Levam o sangue dado de bom grado
Pra proteger a integridade do rebanho
Qualquer sacrifício é suportado
Encostado a um qualquer malhão[4]
Suportando frio, vento, sol constante
Ou no meio do gado dormitante
Sempre atento a qualquer predador ou
meliante
Guardo gado sim e disso tenho orgulho
Fui sendo toda a vida bom pastor
Sentinela deste Sul qual imenso trilho
A todos tratei com desvelado Amor
E da montanha desta vida fui Rei e
Senhor
Marco Valente, Beja, 15/06/2013
Texto e foto: Marco Valente
[1] Maioral ou moiral – Cabeça ou chefe
de diferentes grupos ganadeiros incumbidos das diversas espécies de gados.
Chega ao século XX, deturpada pelos agentes da oralidade, onde podemos
encontrar as designações de móral (pl. mórais) ou moiral (pl. moirais).
[2] Sornego – expressão do Baixo
Alentejo, significando indivíduo com a pele escurecida pelas longas horas de
exposição ao Sol.
[3] Peco ou pego – local mais fundo de um
ribeiro, normalmente designado por peco ou pego escuro. Estão algumas lendas
associadas a estes locais, da qual podemos destacar a seguinte, por envolver
também um maioral de gado bovino: http://www.lendarium.org/narrative/o-pego-escuro/.
[4] Malhão – grosseiros muros de pedras
secas encasteladas, voltados contra a direcção do vento dominante e sol
escaldante. Geralmente erigidos em elementos pétreos do complexo
xisto-grauváquico (ou de qualquer outro material mais abundante na área onde
surgem), utilizando estevas ou qualquer outra cobertura arbustiva, ou não.
2 comentários:
Bem hajas, Marco - canta para nós!
AbraÇalam
Canto e cantarei, pois nas veredas e canadas o Pastor é Rei !!!
AbraÇalam amigo Rolando
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