sábado, 17 de janeiro de 2015

Arqueologia (I) Marcos Territoriais (I) Arte Rupestre (I)

Marco da Comenda de S. Clemente (Moita Redonda)[1]

Durante trabalhos que executamos entre Outubro de 2007 e Maio de 2008, pela serra do Caldeirão fomos registando e investigando variadíssimos elementos patrimoniais.
Destes, também um marco territorial mereceu a nossa atenção.
Aspecto do Levantamento do Marco (presumivelmente ainda in situ)

Tratava-se de um marco de delimitação territorial em calcário. Muito possivelmente do Século XVII.
A transcrição é a que segue, uma vez que se assemelha à de um outro marco que Abel Viana e Mário Lyster Franco estudaram e que tinha sido achado em espaços geográficos próximos.

Com pequena espada – presumivelmente da Ordem de S. Tiago ou Espatários – que encima a seguinte inscrição:
:COM:DE / SCLEM
Levantamento Marco Comenda de S. Clemente

Que Abel Viana e Mário Lyster Franco transcreveram como COMENDA DE SÃO CLEMENTE, e dataram como sendo do século XVII, mas de proveniência desconhecida. Este marco possivelmente ainda se encontrará in situ, uma vez que se situa também em zona de fronteira entre S. Barnabé e Loulé (existe um marco contemporâneo em betão a cerca de um metro, de divisão territorial entre Almodôvar/S. Barnabé e Loulé).
Uma leitura atenta de várias fontes levou-nos a concluir o seguinte:
Marco da Colecção Rosa Madeira - Museu Arqueológico Faro
·         a existência de pelo menos um outro marco exactamente idêntico, recolhido por um indivíduo do Ameixial (Sr. Rosa Madeira – presentemente com o n.º 00091 de inventário relativo à colecção deste indivíduo no Museu Arqueológico e Lapidar Infante D. Henrique de Faro), de proveniência desconhecida, mas que muito certamente  viria de uma qualquer localidade ou monte situado nas cercanias e comprovará que existia uma delimitação deliberada e efectiva dos terrenos da dita comenda;
·         apesar dos solos neste local serem relativamente pobres, os locais de implantação e demarcação desta “Comenda de São Clemente” são-nos desconhecidos e poderiam englobar solos aráveis e perfeitamente cobiçáveis situados mais a Sul;[2]
·         o facto de ter representada a Espada da Ordem de Santiago, faz-nos pensar que fosse um terreno da qual a dita fosse possuidora, uma vez que neste espaço geográfico a sua influência foi imensa.

Este marco, para além disso, também é simbólico da divisão geológica dos terrenos da orla terciária e quaternária do Barrocal e do litoral, em contraste com o maciço antigo, os ásperos e ondulados xistos serranos. Muito possivelmente, se forem realizadas prospecções sistemáticas nestes e entre estes locais, outros marcos poderão surgir, quiçá ainda in situ.
Gostariamos de expressar o nosso agradecimento sincero à Dra. Marta Valente (Geóloga e Ilustradora), pelas informações quanto à descrição geológica de diversos locais e pelo tratamento informático em gabinete do levantamento efectuado pela nossa pessoa no local.
Também gostaríamos de aproveitar para agradecer a disponibilidade e amabilidade do Dr. Nuno Beja (Museu Arqueológico e Lapidar Infante D. Henrique, Faro), dos funcionários do Arquivo Histórico Municipal de Loulé, Bibliotecas de Almodôvar e Beja. Ao Dr. Rui Cortes também fica aqui a nossa palavra de agradecimento.

Bibliografia consultada:

·         ENCARNAÇÃO, Pedro Henrique Ferreira (1993): As visitações da Ordem de Sant’iago às igrejas do concelho de Loulé no ano de 1534, Delegação Regional do Algarve da Secretaria de Estado da Cultura, Faro;
·         GUERREIRO, Rui Manuel Gaspar Cortes (1999): Levantamento da Carta Arqueológica de Almodôvar Relatório de Estágio Profissional, II vols., C.M.A., C.E.F.P.O.;
·         LAMEIRA, Francisco I.C.; SANTOS, Maria Helena Rodrigues dos (1988): Visitação de igrejas algarvias da Ordem de S. Tiago de 1554, A.D.E.I.P.A., Faro;
·         LEAL, Bruno (2004): La Crosse et le Bâton. Visites pastorales et recherche des pécheurs publics dans la diocèse d’Algarve 1630-1750, Centre Culturel Calouste Gulbenkian, Paris;
·         MAGALHÃES, Joaquim Romero (1993): O Algarve Económico 1600-1773, Editorial Estampa, Colecção Histórias de Portugal, n.º3;
·         MARTINS, Luísa Fernanda Guerreiro (2004): Memórias Paroquiais do Concelho de Loulé, In Al-uliã, Revista do Arquivo Histórico Municipal de Loulé, n.º 10, Loulé, pp. 387-435;
·         SERRA, Manuel Pedro (Coord.) (1996): Visitação da Ordem de Santiago ao Algarve 1517-1518, Suplemento da Revista Al-uliã, n.º 5, Arquivo Histórico Municipal de Loulé, Loulé;
·         VIANA, Abel; FRANCO, Mário Lyster (1945): O espólio arqueológico de José Rosa Madeira, Separata da Revista Brotéria, vol. XLI, Lisboa




[1] A informação acerca deste elemento pétreo e local em si – para além da presente em VIANA, Abel; FRANCO, Mário Lyster (1945): O espólio arqueológico de José Rosa Madeira, Separata da revista Brotéria, vol. XLI, Lisboa e na ficha de sítio n.º 74 em GUERREIRO, Rui Manuel Gaspar Cortes (1999): Levantamento da Carta Arqueológica de Almodôvar Relatório de Estágio Profissional, vol. II, C.M.A. C.E.F.P.O. – foi dada inicialmente por um cidadão de origem francesa [que nós, para protecção da dita pessoa optamos por não mencionar aqui neste post]. Disse-nos que tinha visto há algum tempo atrás uma pedra com um tipo de espada gravada. Poderia ser uma estela de qualquer tipo (como arqueólogo e associativista julgamos ser nosso dever averiguar sempre estes informes, uma vez que o trabalho de arqueólogo não começa em campo e não termina em gabinete, mesmo que alguns deles se revelem posteriormente como uma mera “caça aos gambuzinos”).
[2] “Em 1629 a Câmara de Loulé recebe ordem régia para tombar as propriedades do concelho, o que se torna difícil por pegarem com as de gente poderosa – os Barretos e os Furtados de Mendonça. Demarcação controversa fez-se, em 1624, com o Morgado de Quarteira; com o comendador Lopo Furtado de Mendonça só em 1639.” In MAGALHÃES, Joaquim Romero (1993): O Algarve Económico 1600-1773, Editorial Estampa, Colecção Histórias de Portugal, n.º 3, p.150. Mas, não é somente com membros da aristocracia que o município de Loulé dirime os seus conflitos, com o clero, possuidor de terrenos, as questiúnculas também eram inevitáveis. “A partir de 1705 começam os conflitos da Câmara de Loulé com os padres gracianos, grilos e capuchos por causa dos gados que estes privilegiados metiam nos limites da vila.” Idem, p. 171.

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