domingo, 30 de junho de 2013

Aos cidadãos anónimos do Norte, Centro, Sul e Ilhas



Escrevo este post, uma vez que creio ser devida, a homenagem a todos aqueles que, dotados de uma riqueza imensa interior, são constrangidos a se auto-ostracizarem e menosprezar o seu valor intrínseco e inato, em muitos casos com os quais nos temos vindo a deparar de Norte a Sul do País.
Tal sucede talvez, por causa de um ambiente social actual que menospreza os mais avançados na idade, desvalorizando as suas experiências e os seus conhecimentos, em múltiplos sectores da nossa sociedade (o que explica também a actual situação de crise em que o país se encontra).
Como o afirmava o Prof. Cláudio Torres há algum tempo atrás[1], mais ou menos com as seguintes palavras: «Infelizmente a escola actual ensina que os mais velhos são burros e ignorantes, que os seus conhecimentos de nada valem. E que para evoluir, os jovens têm de imigrar para as grandes cidades, libertando-se assim desses ensinamentos.»
Ou ainda José Alberto Franco, amigo da ALDRABA[2], valorizando o trabalho e funções das colectividades por esse país fora: «Uma colectividade sem autoestima, em que os usos e costumes sejam vistos como “coisa de velhos sem instrução”, está nas mãos dos “média” e da oferta comercial.»[3]
Ora, totalmente de acordo com ambos, aliás, podemos observá-lo através da macrocefalia do litoral com relação ao interior do País e em múltiplos outros exemplos, que não vêm por ora ao caso.
É necessário criar as reais condições para que os mais jovens não sintam necessidade de emigrar, e ao invés de vergonha sintam orgulho nas suas tradições, conhecimentos empíricos e identidades, que são transmitidas de geração em geração.
Fica aqui como pequeno exemplo, uma curta pérola recolhida em Ferreira do Alentejo, escutada a um idoso que optou pelo anonimato (pela vergonha que verificamos sentir em dizer estas coisas e que no nosso entender não devia sofrer):

“O Rico e o Pobre são 2 pessoas
O Soldado defende os 2
O Contribuinte paga para os 3
O Trabalhador trabalha para os 4
O Vadio come dos 5
O Usurário vigariza os 6
O Advogado defende os 7
O Bêbado ri-se dos 8
O Confessor absolve os 9
O Médico mata os 10
O Cangalheiro enterra os 11
A Caixa de Previdência fica com a massa.”

Por aqui se poderá observar como este indivíduo, assim como outros demais, na casa dos setenta/oitenta anos de idade (e não só estes) por vezes e em certos casos percepcionam a sociedade que nos rodeia assim como alguns dos seus personagens. Retrata uma maneira popular, partilhada por muitos, de entender a realidade, e que também entendemos ser Património Imaterial.
Fica aqui esta pequena homenagem aos que guardam em si estórias, lendas, contos, rezas, mezinhas, folclore, religiosidade, saberes, tradições, adivinhas, jogos tradicionais, lengalengas, memórias, provérbios, esconjuros… eu sei lá que mais aspectos identitários possam ser enumerados e que procuraremos sempre recolher e dar à estampa o melhor que nos for possível.
Que existam sempre amigos e colegas para bem os coligir para que a memória e a identidade perdurem para o futuro.

Texto e foto: Marco Valente

Bibliografia consultada:
FRANCO, José Alberto (2008): A tradição e o progresso, In Aldraba, Boletim da Aldraba Associação do Espaço e Património Popular, Boletim n.º 5, Julho, Lisboa, pp. 2-3


[1] Fechando com chave de ouro uma justa homenagem em vida a quem como ele trabalha nestes espaços a Sul, contagiando com o seu sorriso e o seu imenso Amor, aqueles que com ele trabalham e se relacionam.
[2] Associação do Espaço e Património Popular. Constituída em 2005.
[3] FRANCO, José Alberto (2008): A tradição e o progresso, In Aldraba, Boletim da Aldraba Associação do Espaço e Património Popular, Boletim n.º 5, Julho, Lisboa, p. 2

2 comentários:

Autor disse...

Bem escrito, caro Marco


Infelizmente, essa tentativa de "envergonhar" e menosprezar a cultura popular e a sabedoria dos mais velhos está inserida numa política global cultural, associada ao Poder Instituído.

Um povo ignorante é facilmente controlado e domesticado. E os mais antigos contém, em si, lições e ensinamentos, que podem servir de aviso às gerações mais novas. Nomeadamente contra os abusos e desmandos de quem controla o Poder na sociedade.

Envergonhar alguém é incapacitá-lo emocional e socialmente e prendê-lo nos seus próprios medos e limitações.

Ao "envergonhar" as gerações mais velhas, os responsáveis estão a limitar e a incapacitar os detentores do conhecimento. E, por conseguinte, a "cegar" as gerações mais novas, impedindo-as de acederem aos conhecimentos dos seus precursores.
No fundo é "deixar as crias órfãs, por assim dizer".

Em última análise, eu diria que a desertificação cultural do interior faz parte de todo um processo socio-cultural maior que tem em vista a desagregação cultural de toda uma sociedade.
Ao desertificar o interior e impelir as camadas jovens para o Litoral (zonas mais fortemente dominadas e burocratizadas pelo Poder Instituído) o Governo cria uma massa anónima e acéfala de cidadãos, mais facilmente controláveis e manipuláveis.

Uma espécie de "Anti-Regionalização Cultural", tendo em vista a domesticação de eventuais "feras selvagens da floresta" em "mansas bestas de criação". :)

Marco Valente disse...

Dos "Fracos" rezará sempre a "minha" História. Pois se Fraco nasci, Fraco cresci e Fraco morrerei, isso bem o sei.
Cá estou pelo interior (Beja), que já me cativou, com a sua Moura Encantada, a este Cruzado Nortenho, cuja função é o Caminhar em busca da Verdade e fruindo das experiências amigos, camaradas e companheiros mil que o palco do Mundo se me vai presenteando. Já por cá deixei semente que espero que cresça, Valente. Partilharei sempre que o Tempo me permita, grato a si estou pelo comentário e visita. Amigo Autor, sua opinião é partilhada, pode crer que aos Anciãos a sua voz será aqui bem (pelo menos o melhor que me seja possível, dentro das minhas próprias limitações) exaltada...