sábado, 20 de dezembro de 2014

Pensamentos (I)

"Há uma Luz que brilha a Oriente!"

Nesta época natalícia em que se celebra o nascimento do menino-deus, a mitologia parece acompanhar-nos por onde quer que vamos e nos locais mais improváveis.
De passagem fugaz por Selmes, entre acompanhamentos e reuniões, mais uma vez alguns pormenores diferentes retiveram a nossa atenção. Num estabelecimento comercial observamos ainda hoje testemunhos desse Sul Mediterrânico, tão bem descrito por Orlando Ribeiro e outros.
Numa parede, um painel de seis azulejos retratava uma cena de inspiração grega. Num navio a remos, três figuras femininas destacavam-se, depenicando cachos de uvas. Na popa, alguns elementos cerâmicos transportavam presumivelmente preciosos néctares dos Deuses. No fundo, à direita do observador uma cidade-estado de inspiração helénica, similar a visão idílica e romântica de Atenas e do seu Pártenon.






Ao falar com a proprietária, reparamos nas prateleiras por trás de si num pequeno busto enegrecido de Tut-ank-Hamon. A única resposta que esta senhora dava ao porquê da presença de tais representações fechava-se num breve: "Porque gostamos."













Por cima de um alto e esguio frigorífico, um touro. Qual altivo pai de Minotauro mirava todo este cenário em pose desafiante. Que conversas teriam os meros mortais que lá por baixo falavam, apontando para si e outras relíquias?






No balcão, outro cliente, qual Heródoto de barba hirsuta, ao saber que a minha profissão era a de  arqueólogo discorria teorias acerca da construção das pirâmides e demais monólitos. Partilhou connosco, naqueles breves instantes uma estória acerca da irmã que tinha falecido há pouco tempo atrás... tinha emigrado em busca de um futuro melhor.
A Grécia tinha sido então a sua segunda pátria - uma vez mais o Mediterrâneo se nos apresentava, representado agora em contornos de tragédia grega.
O nosso afã diário e profissional pôs termo a estes profícuos mas breves momentos de conversa e tive de me retirar, despedindo-me de ambos amavelmente e agradecendo as fotos que aqui apresento.
Liguei o carro e passei ainda pela entrada do estabelecimento. Recordando-me de uma recolha efectuada em 2010, abri o vidro da janela e perguntei com um sorriso:
"Então e o Diabo, ainda anda à solta aqui por Selmes?"
A resposta dada pelo velho Heródoto foi reveladora:
"O Diabo? O Diabo emigrou, já cá não vive!" - Diabo era uma alcunha de um natural de Selmes que teria ido para o Algarve... Aqui pelo Baixo Alentejo, pelos vistos até o "Diabo" emigra, em busca de algo melhor... Esperamos que os que por cá chegam, assim como os que aqui nascem e vivem consigam levar a sua luta diária a bom porto e a desertificação se torne mais uma estória de um tempo mau e distante, para escutar a um Heródoto do amanhã...
Que esse futuro risonho não esteja distante, para todo e cada um de nós.
Feliz Natal a todos vós que pela net navegais.

 Alguns artigos meus acerca de Selmes (Deriva do Árabe, pronunciando-se inicialmente saléme. Nome próprio de homem, que significará salvo, livre, isento):
VALENTE, Marco (2011) – Aldrabas e batentes de Selmes: um futuro inadiável ?, In Aldraba, Boletim da Aldraba – Associação do Espaço e Património Popular, n.º 10, Lisboa, pp. 4-6;

VALENTE, Marco (2010) – Andanças do Diabo por terras portuguesas. Algumas Lendas do Norte do país e do Baixo Alentejo, In Aldraba, Boletim da Aldraba – Associação do Espaço e Património Popular, n.º 9, Lisboa, pp. 9-12

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