domingo, 13 de julho de 2014

Para que a Memória perdure Relatos de perseguições, tortura e morte ocorridas durante a Ditadura Fascista (II)


António Martinho da Conceição Duarte

Testemunho de António Martinho da Conceição Duarte, nascido a 23/12/1932 em Beja e residindo em Beja.
Esteve preso 6 meses e 3 dias. Ocorreu este caso por altura das eleições do Humberto Delgado, em 1958, em Beja.
Tinha ido assistir a um comício na sede de candidatura do Arlindo Vicente – do MDPCDE, que depois desistiu em favor do Humberto Delgado.
Ao passar pela Rua das Pedras um polícia disse para o chefe: “ Aquele gajo que vai além tem vindo aqui todas as noites!”
Depois chamaram-no, “Eu fui fazendo que não os ouvia e chegava à Rua de Lisboa e eu piro-me. Ganhava as mesmas ! Apareceram-me três pela frente, à entrada da mesma rua. Depois prenderam-me e levaram-me para a esquadra no carro que costumava transportar o governador civil.
Estive cá (Beja) preso 2 noites e 3 dias. Quando cheguei o Chefe Nobre perguntou-me quem era o outro que estava comigo e eu disse que não sabia. Ao que ele retorquiu «Então esteve com o outro e não sabia quem ele era ?»”
Em Beja não lhe bateram.
Como continuava a afirmar que não o conhecia (ao outro que ia com ele) transferiram-no para Caxias. Cá em Beja não lhe fizeram nada, talvez por consideração pela sua madrinha, uma das mulheres mais ricas da cidade, Dona Antónia Costa Ribeiro Gomes.
Antes de ir para Caxias foi à Rua António Maria Cardoso, à PIDE, onde lhe deram dois sopapos na cara.

Em Caxias[1] matavam-nos nos interrogatórios, como ao Vítor Manuel Jesus Pires, com uma lâmina. E depois iam abandonar os cadáveres nos pátios, sem autópsias nem nada, para não serem contabilizados nas estatísticas.
“Com as mãos em concha batiam-me nos dois ouvidos, ao mesmo tempo (deram-me cabo dos ouvidos e fiquei quase surdo). Era pontapés, às mulheres queimavam-lhes os peitos e a um queimaram-lhe os dois olhos com cigarros. Jogavam-me contra as paredes e se caísse no chão, pisavam-me todo.
Ainda houve quem lá levasse mais do que eu.
Sempre a perguntar quem era o outro e há quanto tempo fazia parte do Partido Comunista.
Iam-nos buscar até às 3 da manhã para sermos interrogados e tiravam-nos fotografias todos desgrenhados que parecíamos uns assassinos!”
Quem não era formalmente acusado passados seis meses tinha de ser solto e assim foi e quando saiu ainda lhe disseram: «Vai e não voltes mais, se não ficas com uma perna ao pescoço!».
“Nem davam dinheiro para a viagem nem nada. Fui ao Hospital de S. José dar sangue para me darem algum dinheiro para o comboio, para voltar para Beja.”


[1] Em Caxias, para passar o tempo, os presos jogavam Dominó amassando a massa do pão e com a tampa das caixas de fósforos (que serviam de forma) faziam as peças de dominó e pintavam as pintas das peças com lápis.

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