Em primeiro lugar, queremos elucidar que o título não visa
denegrir a imagem de ninguém, nem os actuais habitantes desta pacata localidade
alentejana.
Apenas define um episódio sucedido por estas paragens e que
ficou na memória das gentes mais idosas. E que urge recolher e dar à estampa –
neste caso, “pôr a navegar” na net.
Alguns episódios jocosos, por assim dizer, sucedem no nosso
Portugal contemporâneo.
Pelo Alentejo sucedia que, quando alguém queria edificar
uma habitação (por exemplo) chamava os familiares e amigos da sua terra e de
terras mais próximas. Um trazia a concertina, outro a sua viola campaniça e
toca de fazer um baile, os célebres “bailes à casa”. De tanta folia e dança o
terreno lá ia sendo nivelado para melhor erguer a edificação.
Há muitas dezenas de anos atrás, num monte nas proximidades
dos Gasparões, as pessoas juntaram-se para um desses bailes à casa. A folia
corria bem, até que, algumas moças vislumbraram ao longe dois indivíduos que
eram conhecidos pelo seu mau feitio e desacatos que armavam constantemente.
Algumas delas viraram-se para os restantes gritando:
“Fujam, que vêm aí os cabrões dos Gasparões !
Fujam, que vêm aí os cabrões dos Gasparões !”
E as pessoas correram a esconder-se num armazém que existia
nas proximidades. Ao chegarem ao local, um dos indivíduos deitou a porta abaixo
à patada, entrando ambos no recinto. O outro respondeu assim, aos gritos que ao
longe ainda ouvira:
“Oh moças não fujam,
Oh moças não tenham medo!
São os cabrões dos Gasparões,
Que vêm visitar o putedo!”
E vai de distribuir pancadaria a uns e outros, a torto e a
direito.
Esta estória, contou-a o Sr. Luís Diogo Barradas (Luís do
Estanque), em 2011 com 81 anos e morador em Montes Velhos.
Sr. Luís Diogo Barradas ou Luís "do Estanque"
Também há alguns anos atrás escutamos a um idoso, que nas
proximidades ou mesmo em Vilarinho das Furnas, teria sucedido um episódio
igualmente revelador da veia poética do nosso povo, mesmo neste género de
episódios.
A estória era mais ou menos a seguinte.
Uma moça, casada, teria andado “enrolada” com um rapaz
(moço mais novo), e passado algum tempo aquele deixara-a. Sucede que, numa
altura das festas na povoação (certamente relacionada com os rituais de
fecundidade dos solos) a dita rapariga passou próxima ao rapaz, pois como
seriam da mesma aldeia ou de povoações próximas uma da outra, tal teria
inevitavelmente de suceder.
Naquele tempo, os rapazes usavam cornos de touro à cinta,
pelos quais bebiam vinho (não existiam copos por aí além, como é usual nos
nossos dias), e o rapaz tinha um desses cornos à cintura.
A moça, tentando deixá-lo mal visto aos olhos dos seus
amigos atirou com o seguinte verso:
“Cantador que vem na estrada,
De onde vem? Para onde vai?
O corno que traz à cinta,
É seu ou de seu pai?”
O rapaz, moço habituado aos cantares ao desafio, não se
acanhou, respondendo logo de seguida:
“O corno que trago à cinta,
Não é meu nem de meu pai!
É um cabelo do teu Homem
Que de maduro lhe cai!”.
Continuaremos assim, a recolher e a registar
estes episódios, que para além dos seus aspectos espirituosos também revelam a
veia poética e de improviso, tão cara ao nosso povo.