domingo, 31 de agosto de 2014

Poetas Populares (I)

"Chocolate branco e preto embrulhado em prata vermelha

Uma menina de cor
andava na minha escola
Todos os dias a via
a chegar com a sacola

Parecia de chocolate
e devagarinho entrava
mas na hora do recreio
com ninguém ela brincava

Parecia envergonhada
Com os olhinhos no chão
Longe de nós se sentava
Não a via comer pão.

Rita era o seu nome
ouvi a professora chamar
mas a Rita não falava
com ninguém ia brincar.

Com um pauzinho escrevia
Na areia do jardim
e depois também chorava
nunca vi tristeza assim.

Um dia tomei coragem
ao seu lado me sentei
mas a Rita estremeceu
Será que a assustei?

Com a cabeça caída
Olhou para mim a medo
Eu desejava saber
qual seria o segredo.

Ofereci-lhe do meu lanche
Ela ficou a olhar.
Com os olhos tão abertos
Não queria acreditar.

Parti o meu pão ao meio
E ela então aceitou
Quando terminou de comer
para mim ela olhou.

E disse-me: Muito obrigada
E assim todos os dias
Eu com ela repartia
As minhas duas fatias.

Apesar de nada dizer
Sorria quando eu chegava
Fazia-me espaço no banco
E então eu me sentava.

Um dia disse a tremer
Que todos os dias, trazia
num saquinho de plástico
o lanche que a mãe fazia.

Mas ao chegar à escola
Uns meninos a esperavam
E por ela ser de cor
O seu lanche lhe tiravam.

Depois gozavam com ela
Por ela não ser branquinha
Não a queriam na escola
Por ela ser torradinha.

Eu também chorei com ela
E então desde esse dia
Quando ela vai p'ra escola
Eu faço-lhe companhia

Ela é muito meiguinha
Eu não posso compreender
Como é que haviam meninos
que lhe queriam bater.

A cor não é importante
Somos iguais, vê no espelho
Porque o sangue de nós duas
Esse também é vermelho!"

Poema da autoria de: Maria da Luz Filipe Duarte Freitas, 54 anos, nascida e criada em Beja (1)

Uma história que também comigo sucedeu e com um bom amigo que fiz na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Também aí reparei num rapaz cabo-verdiano, que se sentava nas aulas e ninguém com ele falava, o Emanuel (logo no início do ano lectivo 1995-1996) e decidi-me a ser o primeiro a ir com ele falar, pois racismo e xenofobia para mim sempre foi algo contra o qual lutei, luto e lutarei sempre.
Sei que muitas pessoas têm estórias semelhantes. A elas aqui as dedico, pois o bullying nas escolas não existe só por questões de cor e também na minha família mais chegada já se passaram/passam situações semelhantes.
Fica aqui o registo e o alerta, para que as pessoas se tornem mais Humanas/Humanistas, pois a ausência de valores e princípios nunca levou a lado nenhum, só ao fundo do poço.
E a Homenagem a todos aqueles que viram para além da cor, sexo, idade e religião e identificaram-se com outro ser humano, nascendo daí grandes, valiosas e valorosas relações de amizade e familiares também.

(1) Iremos colocando de hoje em diante Poemas, estórias e contos da autoria desta valorosa Mulher e Poeta Popular Alentejana. Para que fiquem registados e possam ser também contados às gerações futuras, Homens, Mulheres e Crianças.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Episódios Caricatos (IV)

Esta "estória" era contada pelo meu avô, o Sr. José Lourenço de Gouveia, como uma anedota, mas que se teria passado na realidade no passado - isto de acordo com quem também a teria ouvido contar.

Uma mãe tinha três filhas, muito belas e formosas, mas eram todas as três "tatibitates".
Por vergonha, esta escondia todas as três dos olhares do povo e nasciam estórias várias acerca do porquê de ocorrer  tal situação.
Um dia, a mãe teve de sair para ir buscar haveres para casa, mas antes de o fazer, recomendou assim às suas filhas:

"Filhas, a vossa mãe tem de ir à venda buscar pão, arroz e outros mantimentos.
Não abram a porta a ninguém, pois há pessoas que nos querem mal lá fora.
Mas acima de tudo, não falem nada com ninguém!"

E, recomendações dadas, saiu porta fora.
Um belo rapaz novo, passando à porta das três irmãs, e desconhecendo que as mesmas aí habitavam (segundo uns) ou querendo ver mais de perto as três formosas adolescentes (segundo outros), bateu à porta e pediu para beber água.
As irmãs tinham receio de abrir a porta e faltar assim ao recomendado por sua mãe, mas a beleza e juventude do moço venceu-lhes os seus medos.
Abriram a porta, deixaram-no entrar e foram buscar um copo de água.
Sempre em silêncio.
Nisto, a irmã que estava a dar o copo de água ao rapaz, deixou-o cair e este partiu-se.
Diz uma delas:

"Tá tubado, tá tubado !" (Está quebrado, está quebrado!)

Diz a segunda:

"A mãe não dizia que não se fanasse!" (A mãe não dizia que não se falasse!)

Responde a última das três:

"Bem fiz eu que não fanei!" (Bem fiz eu que não falei!)

E o rapaz saiu da casa às gargalhadas, ficando as três envergonhadas e sabendo-se assim no povo que eram todas as três "tatibitates".

Informante: José Lourenço de Gouveia (já falecido), nascido e criado no Arco de S. Jorge, Santana, Ilha da Madeira.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Episódios Caricatos (III)

Quando trabalhou nas Minas de Aljustrel, ou melhor dizendo ia prestar serviço às Minas, o Sr. Paulo Avoila Brincheiro, recorda-se que nas várias entradas de galerias existiam imagens de "Santas", iluminadas lateralmente por duas lampadas.
Existiam pessoas mais religiosas que se benziam e rezavam frente às imagens, por devoção e buscando protecção, antes de entrarem nas ditas galerias da mina.
Um dia, fundiu-se a lâmpada de um dos lados da "Santa" e passado algum tempo fundiu-se a outra.
Por brincadeira, o Senhor Paulo disse para um electricista que lá estava por perto:
"Enquanto a Santinha estiver às escuras, eu não entro na mina."
O que é um facto é que quando lá voltou novamente a prestar serviço, a "Santinha" já se encontrava totalmente iluminada.
A religiosidade é motivadora em múltiplos aspectos e esta estória bem o elucida.

Informante:  Paulo José Avoila Brincheiro, 43 anos, nascido e criado em Pias (Serpa).

sábado, 16 de agosto de 2014

Alcunhas Madeirenses (I)

"Feiticeiro"

O pai do padre da Paróquia do Arco de S. Jorge (o Moisés), tinha sete irmãos.
As pessoas diziam que ele seria "Feiticeiro", porque adivinhava as coisas.

Informante: Maria Isabel de Gouveia Valente, 71 anos, nascida no Arco de S. Jorge (Madeira) e a residir actualmente em Vila Nova de Gaia.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Episódios Caricatos (II)



·         O meu pai (José Lourenço de Gouveia, falecido aos 83 anos), uma vez estava na “Venda” (Taberna e Mercearia), no Arco de S. Jorge e depois o Sr. Ricardo Menezes (dono da venda) disse assim:
- “Tenho que ir buscar o carro (camião com mercadoria) ao Funchal e depois venho cansado.”
Meu pai ia ao Funchal nesse dia buscar compras.
E então meu pai disse assim:
- “Buscar o carro ao Funchal! Eu vou até ao Funchal e trago o seu carro sem bater em lado nenhum!”
Meu pai não tinha carta de condução.
O Sr. Ricardo disse então:
- “Eu quero ver isso.”
Apostaram entre os dois 1 kg de carne, 5 litros de vinho, pão e uma espetada de carne de vaca.
Depois meu pai chegou no outro dia de manhã à casa do Sr. Ricardo e ele disse assim:
- “Então Sr. José ? Já foi buscar o carro ?”
- “Já!”
- “Então, onde é que está?”
Meu pai meteu a mão no bolso e disse:
- Está aqui!
E tirou um carro de linha (de costura) do bolso.
E o outro disse:
- “Oh Sr. José! Agora é que me lixou!”
E pagou-lhe o acordado previamente.

Informante:  Maria Isabel de Gouveia Valente, 71 anos, nascida no Arco de S. Jorge (Madeira) e a residir actualmente em Vila Nova de Gaia

domingo, 10 de agosto de 2014

Brincadeiras e/ou Jogos de Infância (I)

"Balamente"

Na Madeira, por alturas da Páscoa, costumava-se jogar ao "Balamente". Tanto crianças como adultos jogavam este jogo.
Uma pessoa combinava com outra, podiam jogar pelo menos duas pessoas e no máximo umas oito.
A primeira que visse qualquer uma das outras dizia: "Balamente" à outra. O primeiro a dizer "Balamente" é o vencedor, o que ficava em último lugar tinha de pagar a aposta ao primeiro.
As apostas geralmente eram comida e bebida (p.ex. 1 Kg de carne, 1 litro de vinho, 1 Kg de café, bolos).
Depois juntavam-se e comiam todos.

Informante: Maria Isabel de Gouveia Valente, 71 anos, nascida no Arco de S. Jorge (Madeira) e a residir actualmente em Vila Nova de Gaia

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Episódios Caricatos (I)

Algum tempo depois de estalar a guerra em Angola, a Emissora Nacional começou a emitir um programa intitulado A verdade é só uma. Rádio Moscovo não fala verdade”.
Tratava-se de uma tentativa de contrariar as noticias e comentários que a rádio moscovita difundia em língua portuguesa acerca do que se passava em Angola e que era ouvida em Portugal, apesar dos esforços do governo em silenciá-la ou de intimidação sobre quem a procurava escutar.
Essas crónicas radiofónicas da Emissora Nacional eram invariavelmente encerradas com o slogan acima enunciado e “assinadas” pelo autor, com a seguinte frase: “ Daqui fala Ferreira da Costa!”

Passou-se o seguinte episódio caricato em Beja:

 "O Ferreira da Costa estava em Angola e ia dizendo as novidades que lá se passavam durante a guerra colonial.
Ia mentindo, que às vezes eles já estavam mortos e ele dizia que estava tudo bem.
Passou uma fulana ao pé do Café Abelha, aqui em Beja, ia passando e tinha uma rabioca grande.
Houve um que ao vê-la disse:
«Ei ! Que grande cú que a mulher tem! Parece Angola!»
Ela vai, dá um grande peido, bate com a mão no cú, dizendo de seguida:
«E daqui fala o Ferreira da Costa!»"

Informante: Dona Catarina Conceição Maria Pedro, 76 anos, nascida no Espírito Santo (Mértola) e a residir actualmente em Beja. 

Alcunhas Algarvias (I)

"Bate Mal"

Alcunha criada há 22 anos atrás pelo próprio.
António Emílio, 55 anos, nascido em Vila Nova de Milfontes e a viver em Armação de Pêra.
Numa discussão acesa com o patrão dessa época o dito, a certa altura, deu um murro numa secretária com plátex podre, rompendo-a completamente, acto face ao qual o "Bate Mal" lhe respondeu:
"Você pode-me comer!
Mas se me comer, também tem que me cagar!"
E disse-lhe mais:
"Você não me conhece, que eu bato mesmo mal!"
Daqui lhe ficou a alcunha, que usa até à data com orgulho.
Lembra-se também que seu pai era um homem que o tratou muito mal na sua juventude.
Para seu pai dedicou-lhe esta expressão:
"Que a terra lhe seja leve,
como a Serra de Monchique!"