domingo, 31 de maio de 2015

Etnografia (III) Cruzeiros (I) Arte Rupestre (III)

O Cruzeiro do Alto do Mú (Serra do Caldeirão)

Por todo o país existem fenómenos demonstrativos da religiosidade popular. Um desses fenómenos é o das “Alminhas”, maravilha única[1] que encontramos espalhada no nosso território, de Norte a Sul.
Paralelamente surgem os Cruzeiros. Para além ao seu significado intrínseco (de representação do Cristo crucificado), a sua iconografia varia de local para local, sendo o contexto no qual está implantado, de extrema importância para a sua interpretação.
No Norte, ao Domingo, terminadas as Vindimas, era hábito cantar, dançar, deitar-se as “Vivas” e reinar, junto ao Cruzeiro da Igreja (qual representação totémica da Morte de um Deus, para redenção e celebração da Vida pelos seus seguidores).
Alguns adquiriram o estatuto de Monumento Nacional (como é o caso do Cruzeiro de Tibães, desde 1910). Também podem assumir o estatuto de marcas divisórias territoriais, como é disso exemplo o Cruzeiro do Padrão da Légua, marcação no terreno da separação entre a Via Veteris e a Karraria Antiqua. Em Pombal, mais precisamente no Louriçal, o Cruzeiro / Pelourinho, dos séculos XVI / XVII assume também essa identidade, de vetusto pelourinho, em alusão simbólica à antiga autoridade municipal.
Os Passos da Via Sacra, dos quais são exemplo os da localidade de Selmes, representam simbolicamente essa manifestação de religiosidade, vivida com mais intensidade no Domingo de Ramos (data da entrada triunfal do Cristo em Jerusálem).

O Cruzeiro do Alto do Mú (Serra do Caldeirão)



Croqui do Cruzeiro do Alto do Mú (ou da Mú, como é também conhecido o local)




Neste caso específico, observado em 2007, estamos na presença de uma Cruz de Calvário, executada numa rocha carbonatada. Aos pés na Cruz, no interior da representação do Golgota, surge a data de 1916. Não se encontra muito distante de uma encruzilhada (Alto do Mú – Felizes – Malhão). Marcará o local onde alguém terá falecido (é uma interpretação).

Em Marmorais (Abadim, Cabeceiras de Basto) também encontramos algo de funcionalidade similar, sendo neste caso mais recente e móvel. Marco provável do local de falecimento de FMG (os registos paroquiais do local por certo ajudarão a saber de quem se trataria).
 


Marmorais, Abadim. Durante limpeza da laje móvel
Marmorais, Abadim. Após a limpeza da laje móvel

Croqui da laje móvel. Cortesia da Dra. Marta A. Duarte
De qualquer das formas, aqui fica o registo de ambos, para quem se dedique a estudos mais aprofundados no que a estas temáticas diga respeito.
Poderia ser incluído este Cruzeiro (marca de religiosidade e crença num Deus que protege e salvará as Almas deste Mundo) num qualquer caminho pedestre (a exemplo do BCL-PR1 – Pelos Caminhos do Monte da Saia, que percorre os caminhos rurais entre o Lugar da Póvoa e Remelhe, em Barcelos).

Bibliografia:

·         AGRIPRO, Ambiente Consultores SA (2006): Estudo de Incidências Ambientais do Parque Eólico da Serra do Mú, Lisboa;
·         BERNARDES, João Pedro, et al. (2006): Actas das Ias Jornadas – As Vias do Algarve, CMSBA/CCDR Algarve;
·         CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain: Dicionário dos Símbolos, Editorial Teorema, Lisboa;
·         FERREIRA, Fernando (2007): Parque Eólico da Serra de Mú Estudo Geológico-Geotécnico, Geoárea Consultores de Geotecnia e Ambiente;
·         FRUTIGER, Adrian (2001): Sinais & Símbolos, Ed. Martins Fontes, São Paulo;
·         Gattegno, David (2000): simbolos, Col. ba-ba, Ed. Hugin;
·         GONÇALVES, António J. (2000): Monografia da Vila de Almodôvar, ACDJA (Associação Cultural e Desportiva da Juventude Almodovarense);
·         GUERREIRO, Rui Manuel Cortes (1999): Levantamento da Carta Arqueológica de Almodôvar. Relatório de Estágio Profissional, II vols., CMA / CEFPO;
·         LEAL, Augusto Soares de Azevedo Barbosa de Pinho (1873-1890): Portugal Antigo e Moderno: Dicionário Geográphico, Estatístico, Chorográphico, Heráldico, Archeológico, Histórico, Biográphico & Etymológico de Todas as Cidades, Villas e Freguesias de Portugal e Grande Número de Aldeias, Livraria Editora de Mattos Moreira, 10 vols., Lisboa;
·         LEXIKON, Herder (1990): Dicionário de Símbolos, Ed. Cultrix, São Paulo;
·         Littleton, C. Scott (Editor Geral) (2002): Mitologia, The Illustrated Anthology of World Mith e Contar Histórias, Duncan Baird Publishers, Londres;
·         O'CONNELL, Mark; Airey, Raje:  Sinais & Símbolos, Hermes Casa;
·         OLIVEIRA, Catarina: Paisagens e Patrimónios. Novos Caminhos para os Territórios Rurais. A Experiência de uma Associação de Desenvolvimento Local no Alentejo, In IIº CER. Sub-Tema 4: Usos e olhares: dos recursos ao património;
·         TEIXEIRA, C.; GONÇALVES, F. (1980): Introdução à Geologia de Portugal, INIC, Lisboa;
·         VALENTE, Marco Paulo (2008): Parque Eólico da Serra do Mú – Relatório Final do Acompanhamento Arqueológico de 30 de Outubro de 2007 a 15 de Maio de 2008, Perennia Monumenta, Famalicão;
·         VASCONCELLOS, José Leite de (1989): Religiões da Lusitânia, 3 vols., INCM;
·         WILLIS, Roy (Editor Geral) (2006): World Mitologia, Duncan Baird Publishers, London

Webgrafia:




[1] “Portugal é o único país que, na sequência do Concílio de Trento (1545-1563), criou os monumentos que são marcas profundas da religiosidade popular.” In http://www.snpcultura.org/vol_alminhas.html, consultado a 31-05-2015, 10:44.
"No cristianismo primitivo só havia Céu e Inferno, a ideia do Purgatório só surgiu na Idade Média, quando a Igreja, na sequência do Concílio de Trento de 1563, o impõe como dogma, numa lógica de resposta católica à Reforma levada a cabo pelos protestantes. Passava assim a haver um estado intermédio para as almas das pessoas que faleciam. E em vez do dualismo do Céu, para os bons, e do Inferno, para os impuros, criou-se um estado intermédio, um local onde durante algum tempo as almas ficariam a purificar", observa o historiador [António Matias Coelho], evidenciando, porém, a forma específica como em Portugal se interpretou as indicações de Trento.” Idem, 10:48.