sexta-feira, 2 de março de 2018

Fantasmas, vultos e sombras (VIII)

Fantasmas, maus espíritos (Chipoko)

"Tia" Joana, 49 anos, Moçambique


Essa história eu ouvi dizer por pessoas, com pessoas a dizer eu ouvi.
No mato aí, existe essas coisas aí.
Existe essas coisas, Chipoko.
Existia para pessoas que andavam de noite, há muito tempo não existia essa coisa de carro, muita gente andava assim a pé.
Às vezes anoitecia, quando anoitecia encontravam aquilo de noite, perto do cemitério. (18 / 19 horas).
Depois daí as pessoas ficavam assustadas.
Agora para aqueles que sabem, eles (Chipoko) podem permanecer, até que fica de dia, até amanhecer. Eles correm para um lado e aquilo corre para frente, eles correm para outro lado e aquilo corre para o outro lado, também para a frente.
Para aqueles que sabem eles levam fósforos. Acendem à frente deles e aquilo desaparece, quando se acendem fósforos aquilo desaparece, sim.

Fantasmas, vultos e sombras (VII)

O Fantasma que pede boleia


O Fantasma que pede boleia é uma história com elos comuns a várias latitudes geográficas e com raízes antiquíssimas[1].
Em Moçambique, também observamos a mesmíssima lenda urbana.
Consiste no seguinte, esta versão por nós escutada a Margarida de Fátima e registada a 01 de Março de 2018:

Margarida de Fátima Dina Shevo Brança, 31 anos, Moçambique


Era uma vez um senhor, aquilo de passear nas discotecas, sei lá o quê, e conheceu uma moça.
Conheceu, passearam, conviveram juntos, levou de boleia para em casa deixar. Deixou-a, emprestou o casaco e disse: “Qualquer dia que eu venho buscar o casaco!” Ela estava com frio.
Tirou o casaco dele, deu. Deixou-a em casa, à porta de casa mesmo deixou e o senhor foi-se embora de mota. Quando chegou, resolveu ao outro dia, vou buscar o quê? O meu casaco com aquela moça. Quando chegou, chegou a casa daquela moça, bateu à porta, pediu com licença e perguntou o nome daquela moça.
Disseram: “Essa moça morreu há muito tempo!” “Nós estávamos cá com ela!”
Disse: “Não! Eu há uns dias atrás estava com ela na discoteca, e eu emprestei o meu casaco a ela, porque estava com frio!”
Disse: “Não ela morreu há muito tempo!”
Disse: “Não também, por acaso eu emprestei o meu casaco e está com ela!!!”
Disse: “Para você confirmar, vamos ao túmulo dela!”
E foram ao túmulo dela e encontraram o casaco pendurado na cruz.
É quando ele ficou assustado.
A ideia é: “Não dou mais boleia a ninguém!”

Em Barcelos, foi recolhida nos anos 90 do século XX uma história similar[2] (esta versão escutei-a eu mesmo pessoalmente, no ano de 1995, mas com pormenores similares à versão de Moçambique e Brasileira).
No Brasil, a versão de Alagoas já é contada desde há mais de 100 anos.

Réplica da Capa Preta, da versão brasileira
 (adicionada posteriormente ao túmulo) - foto de Carolina Sanches


É como segue:
Conta a lenda que no início do século XX um homem conheceu em um baile uma bela moça por quem se interessou. A partir daí, os dois ficaram juntos durante toda a festa.
"A moça era linda. Quando deu meia-noite ela quis ir embora e falou para o rapaz. Estava chovendo e ele falou que a levaria em casa. O jovem então pegou a capa que trazia e a cobriu. Eles saíram e ela pediu que ele parasse na porta do cemitério, onde ela ficou. Mas antes disse o endereço", contou Antônio Fidelis dos Santos, 77, que faz serviços de limpeza no cemitério há 35 anos e mora no bairro desde que nasceu.
De acordo com a narrativa, o homem foi até a casa da moça. Lá, a família informou que não existia ninguém com o nome informado morando no local, mas que era como se chamava a filha que já havia morrido. Ele se recusou a acreditar no que ouviu e começou a achar que estava sendo vítima de uma peça. Depois de muita conversa, eles foram ao cemitério para que a família mostrasse o túmulo da jovem. Ao chegar no local, ele viu o túmulo e a capa que lhe pertencia em cima da cruz.[3]



[1] Numa história da Roma Antiga, conta-se que um certo Proculus, ao viajar numa estrada de Alba Longa em direcção a Roma (todos os caminhos vão dar a Roma), depois dos Romanos terem descoberto que o corpo de Romulus (lendário fundador de Roma) tinha desaparecido, este, encontra-o no caminho. Romulus explica-lhe então os segredos do Reino (como conquistar e governar o Mundo). Romulus ascende então ao Céu e Proculus, reconhecendo quem ele era, segue para proclamar o que lhe foi dito – Proculus significa O Proclamador. CARRIER, Richard (2014): On the Historicity of Jesus, Sheffield Phoenix Press.
[2] In http://www.lendarium.org/narrative/a-paixao-misteriosa-outra-versao/?category=96 [consultada a 02.03.2018]. Existem no entanto um total de 25 versões recolhidas em Portugal, maioritariamente da zona algarvia.
[3] In http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2013/11/lenda-da-mulher-da-capa-preta-faz-parte-da-historia-de-cemiterio-em-al.html [consultada a 02.03.2018]. Existe até um Bloco Carnavalesco inspirado por esta mesma Lenda, onde se homenageia a protagonista da Lenda em si.