"Chocolate branco e preto embrulhado em prata vermelha
Uma menina de cor
andava na minha escola
Todos os dias a via
a chegar com a sacola
Parecia de chocolate
e devagarinho entrava
mas na hora do recreio
com ninguém ela brincava
Parecia envergonhada
Com os olhinhos no chão
Longe de nós se sentava
Não a via comer pão.
Rita era o seu nome
ouvi a professora chamar
mas a Rita não falava
com ninguém ia brincar.
Com um pauzinho escrevia
Na areia do jardim
e depois também chorava
nunca vi tristeza assim.
Um dia tomei coragem
ao seu lado me sentei
mas a Rita estremeceu
Será que a assustei?
Com a cabeça caída
Olhou para mim a medo
Eu desejava saber
qual seria o segredo.
Ofereci-lhe do meu lanche
Ela ficou a olhar.
Com os olhos tão abertos
Não queria acreditar.
Parti o meu pão ao meio
E ela então aceitou
Quando terminou de comer
para mim ela olhou.
E disse-me: Muito obrigada
E assim todos os dias
Eu com ela repartia
As minhas duas fatias.
Apesar de nada dizer
Sorria quando eu chegava
Fazia-me espaço no banco
E então eu me sentava.
Um dia disse a tremer
Que todos os dias, trazia
num saquinho de plástico
o lanche que a mãe fazia.
Mas ao chegar à escola
Uns meninos a esperavam
E por ela ser de cor
O seu lanche lhe tiravam.
Depois gozavam com ela
Por ela não ser branquinha
Não a queriam na escola
Por ela ser torradinha.
Eu também chorei com ela
E então desde esse dia
Quando ela vai p'ra escola
Eu faço-lhe companhia
Ela é muito meiguinha
Eu não posso compreender
Como é que haviam meninos
que lhe queriam bater.
A cor não é importante
Somos iguais, vê no espelho
Porque o sangue de nós duas
Esse também é vermelho!"
Poema da autoria de: Maria da Luz Filipe Duarte Freitas, 54 anos, nascida e criada em Beja (1)
Uma história que também comigo sucedeu e com um bom amigo que fiz na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Também aí reparei num rapaz cabo-verdiano, que se sentava nas aulas e ninguém com ele falava, o Emanuel (logo no início do ano lectivo 1995-1996) e decidi-me a ser o primeiro a ir com ele falar, pois racismo e xenofobia para mim sempre foi algo contra o qual lutei, luto e lutarei sempre.
Sei que muitas pessoas têm estórias semelhantes. A elas aqui as dedico, pois o bullying nas escolas não existe só por questões de cor e também na minha família mais chegada já se passaram/passam situações semelhantes.
Fica aqui o registo e o alerta, para que as pessoas se tornem mais Humanas/Humanistas, pois a ausência de valores e princípios nunca levou a lado nenhum, só ao fundo do poço.
E a Homenagem a todos aqueles que viram para além da cor, sexo, idade e religião e identificaram-se com outro ser humano, nascendo daí grandes, valiosas e valorosas relações de amizade e familiares também.
(1) Iremos colocando de hoje em diante Poemas, estórias e contos da autoria desta valorosa Mulher e Poeta Popular Alentejana. Para que fiquem registados e possam ser também contados às gerações futuras, Homens, Mulheres e Crianças.