sexta-feira, 1 de abril de 2016

Contrabando (I)

“(Foi um acontecimento passado nesta povoação nos anos 20 do século passado, os nomes das pessoas envolvidas são fictícios)

Mestre Romão Moita Mariano

O denunciante (uma história verídica)

Há muito que a guarda-fiscal não apanhava uma carga de contrabando.
Toda a aldeia sabia que o contrabando se fazia e quem eram os contrabandistas, contudo, ninguém se atrevia a denunciar quem quer que fosse. Era uma maneira como outra qualquer de ganhar a vida, e não havia quem quisesse ficar em “cheque” acusando essa pobre gente, que arriscava a vida para ganhar algum.
O capitão da guarda, que em Serpa ouvira uns “zunzuns” resolveu uma tarde visitar o posto da aldeia. Chamou o cabo e os soldados ao gabinete superior e ali com voz de trovão falara com aspereza aos seus subordinados.
“Isto tem de mudar! Vocês andam há meses a dormir na forma; o café vai para Espanha às toneladas, que eu sei que vai… mas vocês!... Não apanham, ou não querem apanhar esses traficantes. Se isto continuar vou transferi-los a todos.” Ficaram um pouco perturbados, ao ouvirem o desabafo do capitão naquela tarde.
O Chico Bailão, feitor da herdade da Amendoeira viera nessa tarde a fazer “avio” da semana, na sua égua preta. Depois de encher o alforge com artigos de mercearia, roupas, tabaco e vinho, fez por passar pela porta do posto da guarda-fiscal. Trazia um segredo consigo e uma grande vontade em revelá-lo.
Na herdade onde o Bailão era feitor havia o sítio denominado “os quatro caminhos” que era o ponto estratégico onde se juntavam os contrabandistas.
Há muito que o feitor suspeitava, uma noite pôs-se à “coca” escondido na ramada de uma azinheira, ficando ciente de como as coisas se processavam.
Quatro indivíduos montados em cavalos e em muares vindos de partes diferentes, juntavam-se ali no velho sobreiro junto aos quatro caminhos. Após trocarem meia dúzia de palavras, enquanto fumavam o seu cigarro ajeitavam as cargas de café e partiram a galope rumo á fronteira; uma vez lá chegados mudariam as cargas para outros animais da mesma espécie, mas estes provenientes de Espanha, conduzidos por Andaluzes que fariam o resto da transferência. Tudo isto era relatado, com certo regozijo pelo feitor ao cabo Lopes, que não podia esconder também o seu contentamento.
- Muito agradecido, amigo Bailão; não queira saber a vontade que eu tenho de apanhar esses “trunfos”! Disse o cabo ao despedirem-se.
A noite ameaçava chuva. Estava escuro como breu. O cabo Lopes reunindo com os soldados da guarda-fiscal, contou-lhe o sucedido, combinando logo para aquela noite, a emboscada. Iriam jantar, depois partiam imediatamente.
Era já quase meia-noite na taberna do tio Valente, ainda se ouviam umas vozes altas, muito embora amistosas de três homens que teimavam esgotar o garrafão que o velho colocara em cima do balcão.
Impaciente, a pata faiscando de vez em quando, pela fricção da ferradura no duro granito da calçada. A égua e o taberneiro, já estavam ali pelos cabelos!... Começava a cair uma chuva miudinha. O Bailão ajudado pelos dois companheiros, lá conseguiu estribar-se na mansa égua que o levaria ao monte da herdade da Amendoeira.
O animal partira num trote rijo, rasgando a noite, cortando o denso nevoeiro, sem se afastar um decímetro sequer da espinha da carreteira parando só quando alcançasse a rua do monte da herdade. O seu dono bêbado que nem um cacho, sabia que assim era, não tinha a menor dúvida nem o menor receio.
Já várias vezes isso tinha acontecido, meteu os pés nos estribos, juntou as mãos, com as rédeas presas junto à crina da égua e deixou-se levar pelo inteligente animal.
Havia junto aos quatro caminhos um silvado espesso que denunciava um estreito barranco pequeno afluente do rio Guadiana. Foi ali onde os seis guardas se esconderam de arma apertada à espera que os contrabandistas surgissem. O cabo Lopes riscara um fósforo para ver as horas, “é meia-noite e quarenta”, murmurou, “cheira-me a fracasso!...” Pouco depois um frouxo ruído quebrava o silêncio sepulcral daquela noite. De imediato não o souberam distinguir, pois que a terra lamacenta dava um eco diferente aos passos do animal; mas quando este passou por eles tiveram a certeza que era uma besta, um homem e uma carga. O cabo Lopes gritou:
- Para quem aí vai! Alto!, gritaram os guardas em coro; mas a égua do Bailão, talvez das vozes que não esperava, assustou-se e multiplicou a passada. Foi então que seis balas saíram simultaneamente dos canos das carabinas, indo uma delas alojar-se no tronco do infeliz Bailão.
Como de costume, a égua só parara na rua do monte. Um corpo morto, com um cotovelo metido na boca do alforge e as botas encravadas nos estribos, sangravam sobre o animal.
Ainda a manhã mal tinha despontado, já havia um certo burburinho na terra.
A mulher do regedor ia informando aquela gente cheia de curiosidade: “Vieram esta madrugada chamar o meu marido! O sr. Bailão chegou morto ao monte da Amendoeira. Ninguém sabe quem o matou.
As pessoas arredavam, vindo outras ocupar o seu lugar. Todas movidas pela mesma curiosidade que é natural quando estes casos acontecem.
Já o sol naquele dia se escondera e ninguém sabia quem era o assassino!
Nem os próprios guardas o poderiam saber!... Foi o cabo Lopes? Foi o guarda Aniceto? Foi o Moreno? Foi algum dos outros três? Dispararam os seis quase ao mesmo tempo, uma só bala fez tombar o Bailão e a noite escura, caprichosa, encarregou-se de esconder o resto.

1980
Romão Moita Mariano”


(Fomos informados na altura que esta história já teria sido publicada, salvo erro, no Diário do Alentejo. Recolha efectuada a 07 de Julho de 2014).

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