segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Histórias de Café (Há uma Luz que brilha a Oriente) / Coffee Tales (There's a light that shines to the East)

No Natal de 2014, celebração do nascimento do menino-deus, a mitologia parecia acompanhar-me, por onde quer que fosse e nos locais mais improváveis.
De passagem fugaz por Selmes, entre acompanhamentos e reuniões, mais uma vez alguns pormenores diferentes retiveram a nossa atenção. 
Ao entrar num estabelecimento local (para beber um reconfortante café Delta), foi-nos dado a observar ainda hoje testemunhos desse imenso Sul Mediterrânico, tão bem descrito por Orlando
Ribeiro.

At the Christmas of 2014, celebration of the birth of the Boy-God, mythology seemed to accompany me, wherever I went and in the most unlikely places.
Passing fleetingly through Selmes, between accompaniments and meetings, once again some different details retained our attention.
Upon entering a local establishment (to drink a comforting Delta coffee), we were still able to observe testimonies of this immense Mediterranean South, so well described by Orlando Ribeiro.


Numa parede, um painel de seis azulejos retratava uma cena de inspiração grega.
Num navio a remos, três figuras femininas destacavam-se, depinicando cachos de uvas.
Na popa, alguns elementos cerâmicos transportavam presumivelmente preciosos néctares dos Deuses.
Ao fundo, à direita do observador, uma qualquer cidade-estado de inspiração helénica,
similar à visão idílica e romântica de Atenas e do seu Pártenon.
Ao pedir o café à proprietária, reparamos nas prateleiras por trás de si, num pequeno busto enegrecido de Tut-ank-Hamon.

On one of the walls, a panel of six tiles, depicted a scene of Greek inspiration. On a rowboat, three female figures stood out, deprecating bunches of grapes.
At the stern, some ceramic elements, presumably carried precious nectar's from the Gods.
In the background, to the right of the observer, any city-state of Hellenic inspiration, similar to the idyllic and romantic view of Athens and it's Parthenon.
When ordering coffee from the owner, we noticed the shelves behind her, a small blackish bust of Tut-ank-Hamon.



A única resposta que esta senhora dava ao porquê da presença de tais representações fechava-se num breve:
“Porque gostamos.”
Por cima de um alto e esguio frigorífico, a escultura de um touro.
Qual altivo pai de Minotauro, mirava todo este cenário em pose desafiante. “Que conversas teriam os
meros mortais, que lá por baixo falavam, apontando para si e outras relíquias?”
No balcão, outro cliente, qual Heródoto de barba hirsuta, ao saber que a minha profissão era a de arqueólogo, discorria teorias acerca da construção das pirâmides e demais monólitos.
Partilhou connosco, naqueles breves instantes, uma estória acerca da sua irmã, que tinha falecido há pouco tempo atrás... tinha emigrado em busca de um futuro melhor.
A Grécia tinha sido então a sua segunda pátria – uma vez mais o Mediterrâneo se nos apresentava, representado agora em contornos de tragédia grega.
O nosso afã diário e profissional pôs termo a estes profícuos mas breves momentos de conversa e tive de me retirar, despedindo-me de ambos amavelmente e agradecendo as fotos que tirei a todos estes pormenores.
Liguei o carro e passei ainda pela entrada do estabelecimento.
Recordando-me de uma recolha efectuada em 2010, na qual me tinha dito um velhote, ao falar sobre Deus e o Diabo, que: “Deus é o dinhêro e o Diabo é não o havêri!”, abri o vidro da janela e perguntei com um sorriso:
“Então e o Diabo, ainda anda aqui à solta por Selmes?”
A pronta resposta dada pelo velho Heródoto foi elucidativa:
“O Diabo? O Diabo emigrou, já cá não vive!”
Diabo era uma alcunha de um natural de Selmes que teria imigrado para o Algarve recentemente...
Aqui pelo Baixo Alentejo, pelos vistos até o “Diabo” emigra, em busca de um futuro
melhor.
Esperamos que os que por cá chegam, assim como os que aqui nascem e vivem, consigam levar a sua luta diária a bom porto e a desertificação se torne em apenas mais uma estória de um tempo distante, para escutar a um velho Heródoto do amanhã...

The only answer that this lady gave to the reason for the presence of such representations was closed in a brief: "Because we like it."
Above a tall, slim refrigerator, the sculpture of a bull.
As a proud father of the Minotaur, he looked at this scenario in a defiant pose. "What conversations would the mere mortals who spoke bellow could have been having, by pointing to themselves and other relics?".
At the counter, another client, like Herodotus with a beard, on learning that my profession was that of an archaeologist, was suddenly discussing theories about the construction of pyramids and other monoliths.
He shared with us, in those brief moments, a story about his sister, who had recently passed away... having migrated in search for a better future.
Greece had then been her second homeland - once again the Mediterranean presented itself to us, now represented in contours of Greek tragedy.
Our daily professional eagerness put a sudden end to these fruitful but brief moments of conversation and, I had to leave, saying goodbye to both of them kindly and thanking for the pictures I took for all these details.
I started the car and passed the entrance to the establishment.
Recalling a collection made in 2010, in which an old man said to me, when talking about God and the Devil, that: "God is money and the Devil is not having it!", I opened the car window and asked sharing a smile: "So, what about the Devil, is he still on the loose here at Selmes?"
The prompt answer given by the old Herodotus was illustrative: "The devil? The devil migrated, he doesn't live here anymore!"
"Devil" was a nickname of a habitant of Selmes, who would have immigrated to the Algarve just recently...
Here, in Lower Alentejo, by the looks of it, even the "Devil" migrates, in search of a better future.
We hope that those who might arrive here, as well as those who are born and live here, will be able to take their daily struggle to a successful harbor and the desertification would become just another story from a distant time, to listen to an old Herodotus of tomorrow...

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