Lendas e Mitos
Rurais e Urbanos de Moçambique (um Mundo em extinção?)
Rural and Urban Legends and Myths in Mozambique (an
endangered world?)
Resumo
Este artigo pretende apresentar uma série de
recolhas inéditas, efectuadas entre Janeiro de 2018 e Novembro de 2019 –
trabalho que se encontra a ser efectuado em contínuo presentemente.
Tenta proporcionar o registo actual de uma
série de episódios e figuras lendárias, que ocupam o imaginário dos diversos
Povos e Etnias Moçambicanos. Acreditámos que era necessário registar quais os
episódios, figuras míticas, locais sagrados, que ainda nos nossos dias se
encontram presentes no imaginário comum.
Verificamos que nas áreas rurais, o Animismo está
profundamente enraizado, complementando as áreas urbanas, onde o
desenvolvimento modificou hábitos, mas manteve uma série de mitos urbanos,
igualmente com raízes ancestrais.
O estudo mais apurado de todas estas recolhas
urge ser feito, mas, contudo, também era pertinente
esta recolha, pois muitos dos que guardam
ainda estas memórias do passado desaparecem, levando para o além-túmulo todas
estas figuras e episódios. As novas gerações, fascinadas pelo desenvolvimento
tecnológico recente abstraem-se de todos estes mundos tradicionais, figuras e mitos
passados, de um modo geral. Estaremos a assistir à morte de deuses e mitos? Ou
à sua mera
transfiguração decorrente do passar dos
tempos?
Palavras-chave: Mitos, Lendas, Moçambique, Mundo Rural / Mundo Urbano
Abstract
This
article aims to present a series of unpublished stories, recollections carried
out between January 2018 and November 2019 - work that is currently
continuously ongoing.
It
seeks to provide the current record of a series of legendary episodes and figures
that occupy the
imaginary
of the various Mozambican Peoples and Ethnics. We believe it was necessary to
record
which
episodes, sacred places, mythical figures, were still rooted in the common
imaginary today. We found that in rural areas, Animism is deeply rooted,
complementing urban areas, where development has changed habits, but has
retained a series of urban myths, also with ancestral roots. The most accurate
study of all these collections needs to be accomplished, but this collection
was also urgent, because many of those who still keep these memories of the
past die, taking all these figures and episodes to the grave. New generations,
fascinated by recent technological development, abstract from all of these
traditional worlds, figures and past myths in general. Are we watching the
death of gods and myths? Or its mere transfiguration due to the passing of
time?
Keywords: Myths, Legends,
Mozambique, Rural World / Urban World
1.7.2. A Raça dos Gigantes Antepassados Ancestrais
(The
Race of the Ancestral Fathers, the Giants)
No Norte de Moçambique – à semelhança do
sucedido com as gravuras rupestres de Nhanhibui, existirão alguns podomorfos [marcas
de pés humanos] gravados em rochas em praias ou mesmo num rochedo no meio do
mar, visível apenas durante a maré baixa. Estes são explicadas pelos povos locais,
como prova da passagem da raça de Gigantes Ancestrais que se encontram
descritos nos textos do Corão. E que estes mesmos locais consideram como seus
antepassados directos.
(In
northern Mozambique - as with the Nhanhibui rock carvings, there will be some
podomorphs [human footprints] engraved on rocks on beaches or even on a rock in
the middle of the sea, visible only during low tide. These are explained by the
local people as evidence of the passage of the race of Ancestral Giants which
are described in the texts of the Koran. And what these same local inhabitants
consider as their direct ancestors.)
Figura 9. Gigante Ancestral.
Fonte: desenho de Marco Valente
(Ancestral Giant. Source: drawing
from Marco Valente)
“Na ilha de Muamize, existem as marcas de pés gravados na rocha, de um
homem alto, grande, enorme. Existe um povoado antigo onde já ninguém vive – tem
pessoas que lá se dirigem uma vez por ano, apenas Homens.
Alguns vão rezar e outros apenas para visitar. Mostrar que existiam
antepassados daquele tamanho.
O pé estará gravado numa rocha junto à praia. O Líder e o Secretário de
Senga vão lá no Dia dos Heróis Moçambicanos, efectuar algumas rezas / cerimónias
/ pedidos (3 de Fevereiro).
Na ilha de Kilamibi, existe a gravura de um pé grande e as cavernas nas
rochas, onde as pessoas viviam. Estão trancadas com ferros e ninguém lá pode
ir. Diziam que as pessoas eram muito altas, esses antepassados.
Em Mbuizi, a cerca de 37km da Vila de Palma, existe igualmente um pé
gravado numa rocha.
Ao lado desta rocha está um arbusto que nunca murcha. As pessoas costumavam
por curiosidade ir visitar e fazer pedidos.
Por último, em Palma Sede, existe um rochedo no meio do mar, igualmente com
um pé gravado.
Esse pé gravado seria uma marca dos antepassados que seriam altos. Apenas é
acessível durante a maré baixa. Existem uns baixos perto desse rochedo, onde
estarão depositadas 3 arcas com tesouros. Os chineses terão tentado lá ir, mas
nem eles teriam conseguido recuperar esses tesouros.”
“On
the island of Muamize, there are footprints engraved in the rock of a tall,
large, huge man. There is an old village where no one lives anymore - there are
people who go there once a year, only Men.
Some
will pray and others just to visit. Showing that there were ancestors of that
size.
The
foot will be engraved on a rock by the beach. The Leader and Secretary of Senga
are going there on Mozambican Heroes Day to perform some prayers / ceremonies /
requests (February 3rd).
On
Kilamibi Island there is the engraving of a large foot and the caves in the
rocks where people lived. They are locked with irons and no one can go there.
People were said to be very tall, these ancestors.
In
Mbuizi, about 37km from the village of Palma, there is also a foot engraved in
a rock.
Beside
this rock, there is a shrub that never withers. People used to out of curiosity
go visit and place requests.
Finally,
in Palma Sede, there is a rock in the middle of the sea, also with an engraved
foot.
This
engraved foot would be a mark of the tall ancestors. It is only accessible
during low tide. There are some lows near this rock where three treasure chests
will be deposited. The Chinese would have tried to go there, but neither could
they have recovered these treasures.”
Informante: Costa Carlos Gomes, 25 anos,
nascido em Mueda, habitante de Senga, Província de Cabo Delgado. Testemunho
recolhido a 31 de Julho de 2019. Informant: Costa
Carlos Gomes, 25 years old, born in Mueda, living in Senga, Cabo Delgado Province.
Testimony collected on July 31st 2019.