Aos cidadãos anónimos do
Norte, Centro, Sul e Ilhas
Escrevo
este post, uma vez que creio ser devida, a homenagem a todos aqueles que,
dotados de uma riqueza imensa interior, são constrangidos a se
auto-ostracizarem e menosprezar o seu valor intrínseco e inato, em muitos casos
com os quais nos temos vindo a deparar de Norte a Sul do País.
Tal
sucede talvez, por causa de um ambiente social actual que menospreza os mais
avançados na idade, desvalorizando as suas experiências e os seus conhecimentos,
em múltiplos sectores da nossa sociedade (o que explica também a actual
situação de crise em que o país se encontra).
Como
o afirmava o Prof. Cláudio Torres há algum tempo atrás[1], mais ou menos com as
seguintes palavras: «Infelizmente a escola actual ensina que os mais velhos são
burros e ignorantes, que os seus conhecimentos de nada valem. E que para
evoluir, os jovens têm de imigrar para as grandes cidades, libertando-se assim
desses ensinamentos.»
Ou
ainda José Alberto Franco, amigo da ALDRABA[2], valorizando o trabalho e
funções das colectividades por esse país fora: «Uma colectividade sem
autoestima, em que os usos e costumes sejam vistos como “coisa de velhos sem
instrução”, está nas mãos dos “média” e da oferta comercial.»[3]
Ora,
totalmente de acordo com ambos, aliás, podemos observá-lo através da
macrocefalia do litoral com relação ao interior do País e em múltiplos outros
exemplos, que não vêm por ora ao caso.
É
necessário criar as reais condições para que os mais jovens não sintam
necessidade de emigrar, e ao invés de vergonha sintam orgulho nas suas
tradições, conhecimentos empíricos e identidades, que são transmitidas de
geração em geração.
Fica
aqui como pequeno exemplo, uma curta pérola recolhida em Ferreira do Alentejo,
escutada a um idoso que optou pelo anonimato (pela vergonha que verificamos
sentir em dizer estas coisas e que no nosso entender não devia sofrer):
“O Rico e o Pobre são 2 pessoas
O Soldado defende os 2
O Contribuinte paga para os 3
O Trabalhador trabalha para os 4
O Vadio come dos 5
O Usurário vigariza os 6
O Advogado defende os 7
O Bêbado ri-se dos 8
O Confessor absolve os 9
O Médico mata os 10
O Cangalheiro enterra os 11
A Caixa de Previdência fica com a
massa.”
Por
aqui se poderá observar como este indivíduo, assim como outros demais, na casa
dos setenta/oitenta anos de idade (e não só estes) por vezes e em certos casos
percepcionam a sociedade que nos rodeia assim como alguns dos seus personagens.
Retrata uma maneira popular, partilhada por muitos, de entender a realidade, e
que também entendemos ser Património Imaterial.
Fica
aqui esta pequena homenagem aos que guardam em si estórias, lendas, contos,
rezas, mezinhas, folclore, religiosidade, saberes, tradições, adivinhas, jogos
tradicionais, lengalengas, memórias, provérbios, esconjuros… eu sei lá que mais
aspectos identitários possam ser enumerados e que procuraremos sempre recolher
e dar à estampa o melhor que nos for possível.
Que
existam sempre amigos e colegas para bem os coligir para que a memória e a
identidade perdurem para o futuro.
Texto
e foto: Marco Valente
Bibliografia
consultada:
FRANCO, José Alberto (2008): A tradição e
o progresso, In Aldraba,
Boletim da Aldraba Associação do Espaço e Património Popular, Boletim n.º 5,
Julho, Lisboa, pp. 2-3
[1] Fechando com chave de ouro uma justa homenagem em vida a quem como ele
trabalha nestes espaços a Sul, contagiando com o seu sorriso e o seu imenso Amor, aqueles que com ele trabalham e
se relacionam.
[2]
Associação do Espaço e Património Popular. Constituída em 2005.
[3] FRANCO, José Alberto (2008): A
tradição e o progresso, In Aldraba,
Boletim da Aldraba Associação do Espaço e Património Popular, Boletim n.º 5,
Julho, Lisboa, p. 2