sábado, 15 de junho de 2013

Aos Pastores (moirais e maiorais)

Aos Pastores (moirais e maiorais[1])

Toda a vida fui pastor
Toda a vida guardei gado
Até à morte por todos fui respeitado
Em minha última caminhada fui louvado

Pelos ásperos e ondulados xistos serranos
Em transumância cíclica e constante
Sornego[2], rugas formando com seus sulcos
Vestígios de um caminhar jamais errante

Trago na pele as marcas do meu viver
Nas mãos, músculos e ossos sinais do meu sofrer
Aos estranhos recebo com um sorriso
Após inicial receio e sobreaviso

Conheço cada pedra, árvore e recanto
Cada peco[3], ribeira e barranco
Searas, montes, montanhas, filhos e mães
Aldeias, gentes, lugares, bestas e cães

Para mim nunca nenhuma terra era estranha
Nem possuía referências obscuras
Desde as planícies douradas ou verdejantes
Às ásperas montanhas… vidas tão duras

As carraças que pelas minhas pernas sobem
Levam o sangue dado de bom grado
Pra proteger a integridade do rebanho
Qualquer sacrifício é suportado

Encostado a um qualquer malhão[4]
Suportando frio, vento, sol constante
Ou no meio do gado dormitante
Sempre atento a qualquer predador ou meliante

Guardo gado sim e disso tenho orgulho
Fui sendo toda a vida bom pastor
Sentinela deste Sul qual imenso trilho
A todos tratei com desvelado Amor
E da montanha desta vida fui Rei e Senhor

Marco Valente, Beja, 15/06/2013

Texto e foto: Marco Valente


[1] Maioral ou moiral – Cabeça ou chefe de diferentes grupos ganadeiros incumbidos das diversas espécies de gados. Chega ao século XX, deturpada pelos agentes da oralidade, onde podemos encontrar as designações de móral (pl. mórais) ou moiral (pl. moirais).
[2] Sornego – expressão do Baixo Alentejo, significando indivíduo com a pele escurecida pelas longas horas de exposição ao Sol.
[3] Peco ou pego – local mais fundo de um ribeiro, normalmente designado por peco ou pego escuro. Estão algumas lendas associadas a estes locais, da qual podemos destacar a seguinte, por envolver também um maioral de gado bovino: http://www.lendarium.org/narrative/o-pego-escuro/.
[4] Malhão – grosseiros muros de pedras secas encasteladas, voltados contra a direcção do vento dominante e sol escaldante. Geralmente erigidos em elementos pétreos do complexo xisto-grauváquico (ou de qualquer outro material mais abundante na área onde surgem), utilizando estevas ou qualquer outra cobertura arbustiva, ou não.

2 comentários:

Alor disse...

Bem hajas, Marco - canta para nós!

AbraÇalam

Marco Valente disse...

Canto e cantarei, pois nas veredas e canadas o Pastor é Rei !!!
AbraÇalam amigo Rolando