quinta-feira, 10 de abril de 2014

Contos de moiros e moiras (I)

Um pouco por todo o País escutam-se aqui e além estórias de mouros e moiras que encantados ficaram por estas paragens. Contos de tesouros ou peçonha, de recompensas que aguardam felizardos ou má fortuna que guia o destino dos mais incautos.
Colegas muitos há que foram coligindo compêndios vários acerca de tal temática no decorrer dos séculos. Recolhendo testemunhos orais contemporâneos[1] deste e daquele recanto buscamos também contribuir para uma visão mais abrangente acerca deste “outro” ao qual tanto nos liga.
Descortinando imagens efabulatórias procuramos assim vislumbrar em que lugares do País se podem encontrar mais auríferas recompensas ou mais baús plenos de pestilentas pragas. Onde é que o mouro/moura é bom ou o mau da fita? Que género de tesouros são os mais representados, prata e ouro ou prodígios da técnica? Uma miríade de questões que se vão colocando desde há tempos imemoriais, desde que a lenda é dita à luz das fogueiras, desde que o conto é contado, desde que o Mito nada mais é porventura do que humanizada figura.
E, vislumbrando-nos reflectidos no espelho veríamos assim, porventura, a imagem do moiro ou moira que por ora buscávamos, pois não somos (mesmo em termos genéticos), aquele moiro ou moira que se quer ver desencantado e compreendido?

Mas adiante.

O Sr. João Lopes, pessoa dos seus 44 anos, natural e morador na Granja (Mourão), tem para contar uma estória que escutou há 32 anos atrás, quando era adolescente na casa dos seus 12 anos.

Junto ao Lorico, onde havia uma curva, melhor dizendo, um meandro do rio Alcarrache[2], diziam os mais antigos/idosos que existia um tesouro nesse local. Chegavam a ir indivíduos munidos de pás e picaretas escavar em busca desse mítico tesouro, derrubando árvores e tudo o mais no afã de encontrar tal riqueza. Nunca o chegaram a fazer (que se saiba).
Talvez porque não tenham seguido os seguintes lendários preceitos.
                                                (Sr. João Lopes, à direita do observador)


Dizia-se que havia uma serpente encantada, guardiã desse imenso tesouro. Quem o quisesse obter deveria deixar a dita serpente enrolar-se em seu redor, dando três voltas completas à cintura e dar-lhe (a serpente) um beijo no céu da boca. Após tais preceitos deveria ser morta a serpente, por forma a se poder reclamar posse do tesouro.

Dragões, serpentes, sardões são animais reptileanos ligados às figuras das moiras encantadas.
Reminiscências de cultos ofiolátricos de cariz celta ou sacralização cristã de espaços pagãos, ligando assim estas figuras por vezes associadas também a Lucifer, ao mal. Estas são apenas algumas escassas tentativas de explicação para alguns dos casos onde tal possa ser observado.
Vamos dando à navegação estas estórias, para que outros possam também delas extrair e construir conhecimento, em salutar comunhão de esforços. Investigadores, estudantes, leigos e meros curiosos. Porque o conhecimento é direito de todos e não tão somente apanágio e desfile de vaidades de alguns poucos.

Texto e foto: Marco Valente


[1] Uma vez que um conto não é imutável ao longo dos tempos, podendo adquirir/perder: personagens, detalhes, versões múltiplas.
[2] Rio que alguns pescadores actuais julgavam ser um rio mítico, de acordo com os conhecimentos que possuíam.

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