sábado, 26 de abril de 2014

As “Santas” de Pias

Relatamos em seguida, com base em informações prestadas pelo Sr. Romão Mariano e sua esposa, a Dona Luzia, um episódio insólito, ocorrido em Pias e sobre o qual julgamos valer a pena efectuar reflexão – não querendo influenciar ninguém, nem efectuar quaisquer tipo de juízos de valor, quer sobre pessoas, como sobre eventos ocorridos.
Sr. Romão Mariano e Dona Luzia (foto: Maria João Marques)

Um sujeito (Adriano Augusto Santos) veio de Trancoso e foi para Lisboa aprender a arte de farmacêutico. Juntou uns dinheiros e casou-se com uma senhora do Montijo.
Tiveram duas filhas que chegando à idade da adolescência quiseram recolher-se e não conviver com outras raparigas da idade delas – ou qualquer outra pessoa, salvo raras excepções[1].
Todos os dias recebiam jornais que compravam, mas não saiam de casa. Nunca quiseram luz eléctrica.
Salvo erro em 1950 (ano santo mariano) a imagem de Fátima passou por Pias e elas assomaram-se à varanda (mas recolhidas) para a ver. Uma das raras ocasiões em que as “Santas”, como ficariam conhecidas na localidade, se deixaram tenuemente vislumbrar.
Os moços mais novos por vezes, devido à curiosidade que tal episódio neles suscitava (como à restante população da localidade em geral), por vezes assomavam-se a este ou aquele muro para ver se avistavam alguma das “Santinhas” no quintal.
A mãe delas tinha problemas de coluna (esteve cerca de sete anos deitada, acamada) e o Dr. Abílio, médico, é que lhe prestava assistência em termos de cuidados de saúde. Tentou arranjar casamento entre a filha mais nova, a Maria de Lurdes Santos e este, ao que a filha lhe teria respondido: “A mãe gosta tanto dele, case-se você com ele!”.
O seu esposo já tinha falecido, ela tinha receio de falecer, pois visto que a irmã mais velha (Leonídia Santos) já indiciava que estaria a perder a razão, não ficaria assim ninguém para tomar conta da irmã mais nova. Esta irmã mais velha acabaria eventualmente por falecer após os pais de ambas, vítima de cancro e sem nunca querer receber tratamento.
Um senhor, Manuel Málhinho é que tratava das coisas delas, após o falecimento de seus pais. Ia às compras, tratava de todo o género de negócios (tudo papéis passados por debaixo da porta do quintal).
Já por último, Maria de Lurdes Santos, a remanescente das duas “Santinhas” ou “Santas de Pias” acabaria por ser levada contra a sua vontade para um Lar, uma vez que vivia também sem o mínimo de condições de higiene. Só a título de exemplo, espalhavam ambas jornais pelo chão da casa, onde tinham galinhas e outros animais à solta. Quando o chão se encontrasse demasiadamente sujo jogavam os jornais fora, substituindo-os por outros em camadas espalhadas pelo chão.

O que é que nos define enquanto seres humanos?
O que é que faz de nós Humanistas ou não?
Onde começa e acaba a responsabilidade social de cada um de nós?

Nunca me esqueço de umas palavras escutadas há algum tempo atrás e na altura atribuídas a Mahatma Ghandi (se bem que as palavras proferidas valham por si mesmas e não tão somente por  quem as proferiu), fazendo assim também nós, o nosso “mea culpa”:
“É muito fácil emocionarmo-nos por crianças com fome em África ou por uma tragédia qualquer ocorrida na Índia mas, a maior parte das vezes não prestamos atenção ao nosso vizinho que passa fome ou ao mendigo face a quem viramos o rosto quando por ele passamos.”
Por isso, ousamos dizer: “Caridadezinha jamais, Fraternidade sempre.”


[1] Daqui nasceram uma série de rumores e estórias, motivados pelo insólito da situação. Desde o pai que as teria feito reclusas na sua própria casa, por exemplo.

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