quinta-feira, 1 de maio de 2014

Motivações para o registo. Um desabafo acerca de um contínuo desassossego.

O que me motiva para o registo de lendas, contos, mitos contemporâneos uns, com raízes centenárias outros, aqui, neste blog?
Sabemo-lo bem que nunca chegaremos aos pés daquele “Lavrador silencioso, sumido num dos vales sertanejos da Alta Estremadura…”, mas a ele, à sua leitura atenta o devemos, o facto de nos motivarmos para o registo, interpretação de contos, lendas, estórias e demais aspectos da nossa tradição oral. De tempos que se vão perdendo irremediavelmente, pois uma massa acéfala se tem formado nas últimas décadas, cujo único objectivo é correr festivais, comer e beber, jamais contestar e nada mais. Como os “trends” do mundo da economia, nada dura para sempre, a mutabilidade dos tempos é um facto, que sucede para o melhor e para o pior.
O intuito assim, é o de dar voz aos “fracos” e que são votados (pelos próprios familiares mais chegados por vezes) ao ostracismo. Porque hoje, neste mundo actual valorizam (algumas criaturas em lugares de chefia que desrespeitam todos os dias, cargo e eleitores) o “empreendedor” individual (não raras vezes narcisista, egoísta, falso), que pensa apenas em proveito próprio. Como o afirmava o Prof. Cláudio Torres há algum tempo atrás, mais ou menos com as seguintes palavras: «Infelizmente a escola actual ensina que os mais velhos são burros e ignorantes, que os seus conhecimentos de nada valem. E que para evoluir, os jovens têm de imigrar para as grandes cidades, libertando-se assim desses ensinamentos.»
E porque as Lendas desde tenra idade nos motivaram sempre também na nossa contínua busca das verdades, deixo aqui uma citação, recordação pessoal de quando vezes sem conta lemos a Lenda da Dama Pé de Cabra e a qual carinhosamente sempre guardei na minha memória:

“Vós os que não credes em bruxas, nem em almas penadas, nem nas tropelias de Satanás, assentai-vos aqui ao lar, bem juntos ao pé de mim, e contar-vos-ei a história de D. Diogo Lopes d’Haro, senhor de Biscaia. E não me digam no fim:
«Não pode ser.» Pois eu sei cá inventar coisas dessas?
Se a conto, é porque a li num livro muito velho, quase tão velho como o nosso Portugal.
E o autor do livro velho leu-a algures ou ouviu-a contar, que é o mesmo, a algum jogral em seus cantares.
É uma tradição veneranda, e quem descrê das tradições lá irá para onde o pagar.
Juro-vos que, se me negais esta certíssima história, sois dez vezes mais descridos que S. Tomé antes de ser grande santo. E não sei se eu estarei de ânimo de perdoar-vos, como Cristo lhe perdoou.
Silêncio profundíssimo, porque vou principiar (…)”

Alexandre Herculano, As Lendas e Narrativas, A Dama Pé de Cabra
(Rimance de um jogral, Século XI)

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