Sabemo-lo bem que nunca
chegaremos aos pés daquele “Lavrador silencioso, sumido num dos vales
sertanejos da Alta Estremadura…”, mas a ele, à sua leitura atenta o devemos, o
facto de nos motivarmos para o registo, interpretação de contos, lendas,
estórias e demais aspectos da nossa tradição oral. De tempos que se vão
perdendo irremediavelmente, pois uma massa acéfala se tem formado nas últimas
décadas, cujo único objectivo é correr festivais, comer e beber, jamais
contestar e nada mais. Como os “trends” do mundo da economia, nada dura para
sempre, a mutabilidade dos tempos é um facto, que sucede para o melhor e para o
pior.
O intuito assim, é o de dar voz
aos “fracos” e que são votados (pelos próprios familiares mais chegados por vezes)
ao ostracismo. Porque hoje, neste mundo actual valorizam (algumas criaturas em
lugares de chefia que desrespeitam todos os dias, cargo e eleitores) o “empreendedor”
individual (não raras vezes narcisista, egoísta, falso), que pensa apenas em
proveito próprio. Como o afirmava o
Prof. Cláudio Torres há algum tempo atrás, mais ou menos
com as seguintes palavras: «Infelizmente a escola actual ensina que os mais
velhos são burros e ignorantes, que os seus conhecimentos de nada valem. E que
para evoluir, os jovens têm de imigrar para as grandes cidades, libertando-se
assim desses ensinamentos.»
E porque as Lendas desde tenra
idade nos motivaram sempre também na nossa contínua busca das verdades, deixo aqui uma
citação, recordação pessoal de quando vezes sem conta lemos a Lenda da Dama Pé de Cabra e a qual
carinhosamente sempre guardei na minha memória:
“Vós os que não credes em bruxas,
nem em almas penadas, nem nas tropelias de Satanás, assentai-vos aqui ao lar,
bem juntos ao pé de mim, e contar-vos-ei a história de D. Diogo Lopes d’Haro,
senhor de Biscaia. E não me digam no fim:
«Não pode ser.» Pois eu sei cá
inventar coisas dessas?
Se a conto, é porque a li num
livro muito velho, quase tão velho como o nosso Portugal.
E o autor do livro velho leu-a
algures ou ouviu-a contar, que é o mesmo, a algum jogral em seus cantares.
É uma tradição veneranda, e quem
descrê das tradições lá irá para onde o pagar.
Juro-vos que, se me negais esta
certíssima história, sois dez vezes mais descridos que S. Tomé antes de ser
grande santo. E não sei se eu estarei de ânimo de perdoar-vos, como Cristo lhe
perdoou.
Silêncio profundíssimo, porque
vou principiar (…)”
Alexandre Herculano, As
Lendas e Narrativas, A Dama Pé de Cabra
(Rimance de um jogral,
Século XI)
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