domingo, 11 de janeiro de 2015

Contos de moiros e moiras (II)

"Telheiro dos Mouros"

Em trabalhos de prospecções arqueológicas efectuadas no âmbito do Acompanhamento Arqueológico de Construção do Parque Eólico da Serra do Mú[1], tidos entre os dias 30 de Outubro de 2007 e 15 de Maio de 2008 detectamos uma série de elementos patrimoniais dignos de registo – desde sítios arqueológicos, etnográficos, até registos orais.
Telheiro dos Mouros
Um destes locais encontrava-se inacessível na altura, pois estava rodeado de espessas camadas de silvas com 2,5 metros de altura. De acordo com alguns testemunhos era um local que já no tempo dos avós dos habitantes mais idosos da Brunheira se encontrava em ruínas. Situava-se na confluência de várias pequenas ribeiras que correm por aquele local no Inverno e que ficam completamente secas durante o Verão.
Está associado a este sítio uma lenda que refere que existia um túnel neste local, que foi tapado devido ao temor que inspirava nos habitantes das proximidades.
Dá também conta esta lenda, da existência de duas princesas mouras[2] que se encontravam encantadas e que para as desencantar seria necessário arar o terreno nesse local. Teriam de ser seguidos, contudo, os seguintes preceitos: a terra teria de ser arada nove vezes (nem menos, nem mais), recorrendo a uma junta de bois negros como a noite[3].
Uma última achega a esta estória deu-a o Sr. António de Jesus Rocha, pessoa dos seus 71 anos na altura, morador no Monte da Cumeada, a de que a dita estaria descrita no Livro de S. Cipriano[4].

Bibliografia consultada:

BRAGA, Teófilo (1999): Contos Tradicionais do Povo Português, II volumes, Colecção Portugal de Perto, nos 14 e 15, 5ª edição, Publicações D. Quixote, Lisboa;
CARDOSO, Carlos Santos (1961): Subsídios para uma Monografia Histórica e Descritiva da Freguesia de Avanca;
COELHO, Adolfo (1985): Contos Populares Portugueses, Colecção Portugal de Perto, n.º 9, Publicações D. Quixote, Lisboa;
MARQUES, Gentil (1999): Lendas de Portugal, V volumes, 3ª edição, Âncora Editora, Lisboa;
PHILIP, Neil (1999): Comentar Mitos e Lendas, Ed. Civilização;
VALENTE, Marco (2008): Lendas de Mouros e Mouras da Serra do Caldeirão breves apontamentos, In Aldraba, Boletim da Aldraba - Associação do Espaço e Património Popular, n.º 6, Lisboa, pp. 16-18;
VASCONCELLOS, José Leite de (1989): Religiões da Lusitânia, 3 volumes, INCM



[1] Ou Alto do Mú, na Serra do Caldeirão.
[2] Geralmente estas “mouras encantadas” são representadas por figuras belíssimas que ficaram para trás durante o processo de reconquista cristã das terras do al-Andalus. Costumam proteger tesouros que serão dados a quem as libertar do seu encantamento. Neste caso surgiriam num túnel ou nascente (outros são geralmente os locais onde estas guardiãs dos locais de passagem para o interior da terra poderiam surgir, tais como: fontes, pontes, rios, poços, cavernas, antigas edificações e vetustos castelos, ruínas de túmulos e locais pré-históricos como o são as antas, palas, orcas/arcas e castros). Não raras vezes substituem antigas divindades ou ninfas precedentes e são elas mesmas por vezes substituídas por cultos cristãos, como controlo desse mesmo mundo sobrenatural e profano.
[3] Em Avanca (freguesia portuguesa do concelho de Estarreja), contavam-se muitas estórias onde os protagonistas eram “bruxas”, “grades de ouro” e “mouras encantadas”. Destacam-se alguns aspectos seguidamente. Na noite de S. João apareceria uma grade de ouro no fundo do poço dos Chavões (situado nas Chousinhas) sendo necessária uma junta de bois negros como a noite para a tirar do fundo. Também nesta noite de S. João, apareceria uma moira encantada no Pinhal do Engelim e na ponte da Várzea apareciam bruxas à meia-noite. Por último, no lugar do Fojo, a mina da Água Nova, ou ainda Mina dos Nove, teria tido como origem uma nascente que brotou subitamente do sulco do arado ou da charrua, quando um lavrador andava a lavrar o terreno.
[4] É muito natural quando se misturam estórias e lendas dos registos orais, dependendo de orador para orador o “acrescentar um ponto” que muitas das vezes nada tem a ver com a estória em si. Também seria de todo o interesse verificar e estudar os fluxos migratórios na Península Ibérica, desde a Antiguidade até tempos contemporâneos, por forma a aquilatar melhor influências e géneses lendárias (se possível e realizável ainda nos nossos tempos).

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