Entre os 3 e os 30 anos ajudei os meus pais a vender em feiras de Velharias, Antiguidades e Coleccionismo aos fins de semana.
Desde a Feira da Vandoma (realizada todos os Sábados, durando todo o dia, nas ruas em redor da vetusta Sé do Porto e algum tempo depois transferida para as Fontainhas), Feira da Praça de D. João I (decorrendo aos Domingos de manhã, no Porto), a "Feira dos Peludos" em Espinho (no primeiro Domingo de cada mês, durando também todo o dia), a Feira dos Golfinhos em Matosinhos, Feira das Velharias de Aveiro (realizando-se todos os 4º Domingos de cada mês - à excepção quando calhava em feriado, antecipando-se nesse caso para o Domingo anterior), Coimbra (todos os 4º Sábados de cada mês), Lisboa (a já velhinha Feira da Ladra e a Feira de Coleccionismo da Praça do Comércio - transferida depois para o Parque das Nações).
As memórias mantêm-se muito vivas.
O artesão que executava trabalhos refinados em madeira (adquiri-lhe um Anúbis e um quadro do FCP com um barco em alto relevo do qual saia a cabeça de um Dragão). Ao vendedor de cromos que eu ansiava encontrar para completar a Caderneta dos jogadores de futebol de uma certa temporada futebolística, ou do Sandokan - o Tigre de Mompracém, Star Wars e demais séries televisivas e filmes.
Os diálogos com os amigos e colegas feirantes,com clientes usuais ou meros curiosos, embalados em pano de fundo pelas cassetes de música "pimba".
Os vendedores de algodão doce e amendoins com mel.
A alegria da procura e o encontrar imensas preciosidades em lotes de moedas, selos, postais, notas, BD's, velhos alfarrábios, fotos de missões Apolo, guias de pagamentos de tropas liberais nos Açores, mapas e portulanos, Bulas de cruzada do século XVIII, uma miríade de riquezas tais, os sons, as cores, os cheiros e desamores.
Dava bem para um menino sentir que saía do seu pequeno espaço e embarcava nas maiores aventuras do Mundo que o rodeava.
Podia ser Arqueólogo a escavar uma qualquer ruína Chimú, companheiro de Viagem de Corto Maltese ou ainda o Ianes, amigo inseparável de Sandokan.
Num ápice estar lado a lado com um serviço de porcelanas chinesas, aqui um baú para restauro de um qualquer emigrado no Brasil no século XIX, ali um capacete de "bife" da Iª Guerra Mundial, com algumas condecorações a acompanhar o dito.
Tão depressa manuseava umas "Tangas" Timorenses, como uma carta de um soldado italiano preso num campo de concentração e com marcas da censura portuguesa e inglesa de 1917.
No meio destas "viagens" também sucediam alguns episódios caricatos.
Alguns deles também brejeiros. Passarei a contar um destes seguidamente.
Meus pais negociavam também com "Santinhos" - imagens de santos que pessoas coleccionavam especificamente e também faziam com estas "Registos" para uso próprio ou revenda.
Estes ditos "Registos" consistiam em pegar numa imagem de um Santo e/ou Beato específico e colocar num quadro com motivos vegetais e que teriam por fim último ser colocados num oratório, por exemplo.
Por vezes, lia algumas das dedicatórias, quadras, versos e orações que se podiam observar, geralmente num pequeno campo abaixo de cada iconografia específica.
Um dia, abaixo de uma imagem de uma Santa (não me recordo qual, especificamente) observei a seguinte quadra:
"Minha Mãe case-me cedo
Que me come a passarinha!
Oh filha, coça-a c'o dedo,
Que eu também coço na minha!"
Julgo que terá sido adquirida por alguém que nesta quadra não reparou, para efectuar um desses Registos. Um Registo malicioso, com um destino irónico deveras.
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